Periodicidade de publicação de poemas

Caros leitores:
Espero que desfrutem na visita a este espaço literário. Este sítio virtual chama-se “Maria Mãe” e tem como página principal os poemas de Maria Helena Amaro.

sábado, 30 de novembro de 2013

Personalidade



(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Uma ideia
é uma ideia
é um pouco de mim
que se desprende
como a pedra se desprende
lentamente
do muro velho que ninguém restaura.
A minha muralha é só feita de ideias
a quem alguém chamou
de retrocessos...
Mas eu não quero
restaurar esta muralha...
Deixem cair as pedras lentamente
que as pedras caídas são rolantes
e vão parar em lagos pardacentos.
Nunca irei restaurar esta muralha...
De que serve uma muralha esburacada
cheia de nichos, de tocas, de buracos?

Nunca será vedação esta muralha...

Nunca será escalada por ninguém...
Nunca será enfeitada de canhões...

Esta muralha é apenas um mito

é apenas
e nada mais
que uma simples muralha...
sem história.


Maria Helena Amaro 
Foz de Arouce
Agosto, 1990

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Ambíguo (lembranças...)



(Ilustração de Maria Helena Amaro) 

Caminhas a meu lado todo o dia
e todo o dia és a sombra maldita...
Não sei de onde vem a luz que me transmites..
Nem sequer o caminho que escolheste...
Caminhas a meu lado todo o dia
e quem te vê és rosa sem espinhos...
Mas eu sei quanto fazes doer...
se encontras alguém no teu canteiro...
Caminhas a meu lado todo o dia
e todo o dia és lembrança de fogo...
Como chama ardente e luminosa
és capaz de queimar só por prazer...
Caminhas a meu lado todo o dia
e tantas vezes eu procuro na noite
a solidão para tentar perder-te...
Mas, tu és como as silvas do caminho
cortadas, pisadas, perseguidas
voltam sempre na próxima alvorada
mais rudes
mais firmes
mais viçosas...


Maria Helena Amaro
Foz de Arouce
Agosto, 1990




domingo, 24 de novembro de 2013

Carta/ a alguém



(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Não me limpes as lágrimas.
Sempre detestei
que me limpassem o rosto
quando choro...
As lágrimas são salgadas
mas são minhas
é só um gesto  meu
deve poder limpá-las...
Se eu não quiser
as lágrimas de sal
vão cair livremente
como livre é a dor...
de te sentir ausente...
Não quero que as vejas...
Não quero que as tenhas...
nem sequer um momento
na tua crua mente...
Não me limpes as lágrimas
(é o vento que retém as ondas...)
O meu ser é do vento
e eu vou retê-las
apenas se quiser...
Tu não sabes o que é chorar...
Se a pedra fosse gente
tu eras como pedra
muda
bruta
uniforme
pesada
agreste
ausente


Maria Helena Amaro
Esposende, 1990
Agosto

sábado, 23 de novembro de 2013

Velório (A minha Mãe)





















(Ilustração de Maria Helena Amaro)


Mesmo depois de morta
tão linda a minha Mãe!
Com os seus olhos cerrados
com seus brancos cabelos
volta a ser a mãe dos meus agrados
volta a ser a mãe dos meus anelos.
Vestiram-na de negro
«era branco que eu queria»
pois minha mãe nasceu na primavera
morreu no verão
e se a morte vai ser aleluia
o branco é a cor do Sol e da Alegria.

Mudou de casa

Agora é no Além
a sua moradia...
Não sei rezar...
Não sei chorar...
Só sei olhar
Só sei dizer:
Olhai e vede,
não há mal, não há bem
mesmo depois de morta
tão linda a minha Mãe!

Minha Mãe não morreu

só foi lá fora ver
se tudo estava bem...
Quando eu morrer
vou encontrar no céu
a minha Mãe...

Agora, tudo bem

nem sequer de mim precisa
para nada...
Disse adeus; foi embora
e no além
é mais leve a jornada...

Que faço agora, então

se lhe dei tanto Amor,
fico a olhá-la
a murmurar baixinho:
Olhai e vede bem
mesmo depois de morta
tão linda a minha Mãe!


Maria Helena Amaro
Esposende, 12/07/1990
(Dedicado à sua mãe Maria da Piedade)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Mãe (1984)



(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Mãe
Obrigada
por teres aceitado que eu nascesse
e crescesse
dentro de ti
como flor de vida
à procura da luz...
Obrigada
por teres sido boa e corajosa
pois dos braços quiseste fazer berço
e da voz uma canção de Amor...

Todos os dias
és a minha Mãe
no trabalho, na dor
n'alegria, no Bem.
Todos os dias
quero dizer cantando
- Bendita sejas Mãe!


Maria Helena Amaro
20 de maio de 1984
(Publicada no Diário do Minho em 8/03/2007)

domingo, 17 de novembro de 2013

Lôas




















(Ilustração de Maria Helena Amaro)

O meu coração vadio
quer sair da tua mão...
Coração tão arredio
não merece compaixão...

O meu coração vadio
quer sair da tua casa...
Coração cheio de frio
à procura de uma asa...

O meu coração vadio
quer sair do teu caminho...
Tal como a água do rio
corre atrás de outro carinho...

O meu coração vadio
há de perder-se na rua...
Não tem vergonha nem brio
leviano como a lua.

O meu coração vadio
já cansou do teu bem querer...
Agora eu já sei... eu vi-o
lentamente vai morrer...

O meu coração vadio
quando morto, mesmo a sério
põe-no em terreno baldio,
longe do teu cemitério...

Não vá ele fugidio
num gesto desesperado...
Ir cantar ao desafio
este tormento calado...

Ir cantar fio, por fio
coisas mortas do passado,
este coração vadio
que vive tão destroçado!


Maria Helena Amaro
Maio, 1990

sábado, 16 de novembro de 2013

Noite


(Ilustração de Maria Helena Amaro)


Invento um poema para dizer à noite,
quando espreito as estrelas da janela...
Falo com elas... O frio é um açoite,
mas, mesmo assim, eu acho a noite bela.

Não sei se a noite quer escutar poemas.
Mas sei que as estrelas são quase seres divinos.
Levam nas asas duas grandes luzernas.
Levam a Deus mensagens, preces, hinos...

Quedo-me muda a remirar o céu...
Peço-lhe a estrela que achar mais bela:
coloco nela o teu rosto risonho...

Noite fora... noite dentro... Onde vou eu?
Encosto o rosto no vidro da janela...
Quero ser anjo... Quem escuta o meu sonho?


Maria Helena Amaro
Braga, 11 de novembro 2013.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Dedicatórias
















(Fotografia de António Sequeira)

Vêm de longe meninos
a gritar de mão na mão...
São a música dos sinos
que me chega ao coração...

Cada escola é um festim...
cada criança, lição...
Eu sempre a dizer «que sim»
Outros a dizer-me: Não!


Maria Helena Amaro
Maio, 1990
(CEFOPE - Universidade do Minho, Braga)

domingo, 10 de novembro de 2013

Fogo na Serra



(Fotografia de António Sequeira)


Trouxe-me o vento quente o choro dos pinhais
que o fogo crepitante chorava veloz
ardia a serra toda numa agonia atroz
entre gritos, lamentos e suspiros mortais.

Caíam feitas tochas as árvores colossais
sobre a terra escaldante numa dança feroz
e o fogo vermelho rolando como noz
ia saltar no mato, nas vinhas, nos casais...

Num espanto de dor que não termina mais
olhando a serra em brasa em proporções fatais 
sinto já nem ter alma, nem coração, nem voz...

Gritam as urzes: esses homens brutais
que lançam fogo à mata são chacais
e deviam estar em cinzas como nós!


Maria Helena Amaro
Foz de Arouce
14/08/1989
(Publicado no Jornal de Serpins)

sábado, 9 de novembro de 2013

Recado (1989)
















(Fotografia de António Sequeira)

Podes levar-me tudo
mas não me levarás
a alegria de ser...
Podes fechar tudo
as portas, as janelas
para que os outros não possam escutar...
o meu grito na noite...

Podes tirar-me tudo
cioso do teu sereno querer
mas não me levarás
a alegria de ser...
Todos dizem aos outros que estou louca
que não consigo dar-te
uma paz prometida...
Podes tirar-me tudo
que não me tiras vida...

Podes criar castelos
e fechar-me
entre grades - metais...
Mas estas asas não me tiras tu
este voar entre a serra e  céu
este desejo de transportar estrelas
este roteiro que criei é meu
e meu vai ser até eu ser pessoa...
Ninguém mo vai tirar...
que a caminhada é boa!


Maria Helena Amaro
Foz de Arouce
14/8/1989

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Dia de Anos



(Ilustração de António Sequeira)

- 52 anos! Quem diria?
Ainda ontem fui menina e moça,
ainda ontem sorri de riso e troça
de tanta Rosa, Conceição, Maria!

Ao vê-las todas de laços enjeitados
de cor de rosa e vermelho vestidas,
tão donairosas, pintadas, convencidas,
que os anos passam, mas não deixam passadas...

Digo ao espelho se há rugas no meu rosto,
se o olhar é poço de desgosto,
se o meu sorriso já ninguém alcança...

Diz-me o espelho: quando a alma padece,
mas faz da vida aquilo que merece
vai ser até morrer uma criança!


Maria Helena Amaro
Esposende, 19/07/1989

domingo, 3 de novembro de 2013

Aniversário (Pai)




















(Fotografia de António Sequeira)


Pai 
que saudades tenho de ti!
Para mim não morreste:
apenas foste viajar um pouco
para espalhar melhor
as agruras da vida.
Tu estás aqui
no jornal desdobrado
na cadeira encostada
nos óculos perdidos
nas calças engelhadas
nos sapatos cambados
no arrastar de voz
no olhar distraído
na frase entrecortada
na ideia suposta
no gesto impaciente
na ordem discutida
na crítica modesta
no dar sem refletir
na desculpa estudada
no exemplo de vida
no dizer delicado
na escolha hesitante
no discurso cansado
tu estás aqui...

                              para sempre!

Maria Helena Amaro
1/10/1988
Esposende

sábado, 2 de novembro de 2013

25.000 Visitas

25. 000 VISITAS!

Hoje, dia 2 de novembro o contador marcou 25 000 visitas!
Agradecemos a todos os leitores que continuam a passar por esta sala de estar…
A nossa porta continua sempre aberta para as vossas visitas e leituras.  
Quase a completar dois anos de vida é uma alegria sentir a vossa presença amiga.
Um abraço virtual.
Boas leituras!


Memória (a uma amiga)



(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Grávida de muitos meses
sentia a barriga enorme
a roçar o fogão...
Cansada da viagem,
carregando na alma,
o amargor de dúvida
e o sentido da vida
sem razão
ficou parada,
olhos, húmidos de dor
a percorrer o chão...
Então
o marido entrou
e numa voz pausada
disse com firmeza
e lentidão:
Não quero que lhe falte 
nada!
Estremeceu.
A face retesada
- face de virgem que nem era feia-
e começou a preparar a ceia.
O marido
não queria que lhe faltasse nada!
A ela
de barriga à boca
prestes a rebentar
tinha esquecido...
Mas à amante
que de viagem chegara enjoada
olhar fingido
de raposa matreira
à procura de caça
(a caça era o marido...)
Não queria que faltasse nada!

Pousou as mãos
silenciosamente
sobre a barriga...
Duas lágrimas rolaram
e foram saltitar
em riscos sobre a mesa...

O marido saiu.
E ela ficou suspensa
entre o céu e a terra...
Teria que escolher.
O filho ia nascer...
Nascer sem ter o pai?
O problema eterno!
E ela ao escolher
para que o filho ao nascer
tivesse uma família
escolheu o inferno!


Maria Helena Amaro
setembro,1988
(Premiado no Concurso Novos Poetas)