Periodicidade de publicação de poemas

Caros leitores:
Espero que desfrutem na visita a este espaço literário. Este sítio virtual chama-se “Maria Mãe” e tem como página principal os poemas de Maria Helena Amaro.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Menino de Sua Mãe



O Menino chora tanto
Ao colo de sua Mãe!
Quem me dera ser menino
- Chora tanto, coitadinho!
- E poder chorar também!

Anda aqui… cai acolá…
Pela mão de sua mãe!
Quem me dera ser menino
- Guiadinho, corre bem
- E pode correr também!...

Tem carrinhos de cortiça…
Estrelinhas de Belém…
Quem me dera ser menino
- A sorrir parte os brinquedos!...
E pode brincar também!...

Abre os olhos, diz: pa…pai!
Fecha os olhos, diz: mã… mãe!
Quem me dera ser menino
- Nunca caminha sozinho…
- Menino anda…tem… tem…

O menino cor de rosa
Nos braços de sua mãe…
Quem me dera ser menino
- Andam-lhe os olhos no Céu
- Ser cor de rosa também…

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Hino



Glória a Ti, Senhor
Porque fizeste os prados cor de Esperança,
Os lagos, cor dos Céus;
E puseste nos olhos das crianças
Transparências de véus…
Porque fizestes o Sol rubro, dourado,
Glória a Ti, Senhor,
A Lua, prateada;
E puseste mistério, sonho alado,
Na noite perfumada…
Glória a Ti, Senhor,
Que puseste, nas tristes violetas,
Da Tua Cruz a cor;
E puseste, nas almas dos poetas,
A Beleza e a Dor…
Glória a Ti, Senhor,
Porque nos dás, também, o fruto e a flor,
As loucas borboletas,
E colocaste, ainda, o teu Amor
Nas ervas das valetas…
Glória a Ti, Senhor,
Porque queres imenso aos desgraçados,
E da lama do chão fazes brotar
Os lírios perfumados…

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

domingo, 29 de janeiro de 2012

Senhora dos Caminhos





Senhora dos Caminhos
De olhos de criança
De vestes de menina
Vinde comigo percorrer a Vida
Ignotas estradas
Que nunca palmilhei…

Senhora dos Caminhos
De mãos erguidas
De mãos abertas voltadas para o Céu
Num gesto de Ofertório…
Vinde comigo
E ensinai-me a Dar
Pois receio perder-me
Na cidade das almas sem Esperança
Onde há ruas sem Sol
E atalhos fechados à Alegria
Inundados de prantos…

Senhora dos Caminhos
Senhora Doce das Avé -Marias
Pintada a branco e roxo
Nos pequenos vitrais…

Vinde comigo
A percorrer caminhos
Que percorri jamais…

Assim
Convosco de mãos dadas
Irei sem recear.

E cruzarei de Vida
Insondáveis marés…
E,
Depois,
Quando chegar
A hora de partir,
Havemos de sorrir,
Sorrir, sem murmurar:

- Muitas Vidas ficaram por Viver!
- Muitos Sonhos ficaram por Sonhar!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Oração (II)

Nossa Senhora
Nossa Senhora de carinha feia
De vestes cinzeladas
Do presépio da aldeia
Senhora branca de cabelos dourados
De mãos sem dedos,
(dedos de barro apenas esboçados…)
Pousadinhas a medo
Sobre os joelhos hirtos…
Nossa Senhora Mãe
Quantos caminhos andaste até Belém?
Estradas de serrim…
Nevados de algodão…
Caminhos de espinheiros…
Montados e desertos…
- Vaidoso vai o punho
Que vos pintou sapatos tão bonitos!...

Senhora linda de carinha feia
Dai-me o Vosso Menino enfaixadinho!
Quero levá-lo
Assim humano e puro
de porta em porta
pelas ruas do mundo…

A Rosa da Esquina tem meninos…
(tem meninos sem pai…)
Rotos, famintos, vestidinhos de trapos…

Quem me dera metê-los num Presépio
Num Presépio da aldeia!...
Dizê-los filhos duma Nossa Senhora
Nossa Senhora de carinha feia…
Magrinhos e sumidos
Vão pelas ruas
A chapinhar descalços
De mãos dadas nas mãos
Juntinhos
Nos passeios…

Nossa Senhora do Presépio da aldeia
De olhos tão distantes
Mãe dos Meninos da Rosa da Esquina
(os meninos sem pai)
Fazei-vos sopro e vida…
Trazei Convosco o Menino Dourado
E vamos pelas ruas
De porta em porta mostrá-lo a toda a Dor!
Levá-lo em fogo a cada sonho em grão.
Doá-lo inteiro a cada Amor negado…
Havemos de deixá-lo
Nos lares desertos onde haja sonhos mortos
Enterrados nas rendas
Dos bercitos vazios…
No regaço das mães
Que foram mães de meninos dourados.
(Meninos homens que hoje são soldados…)
Nos bairros miseráveis
Das crianças sem pais
E dos pais sem crianças…

Havemos de levá-lo
À fonte, à Guerra, ao Ódio, à Amargura
À aridez das almas sem Ventura
Ao Desespero dos crimes sem Perdão…

Vinde comigo
Nossa Senhora de carinha feia
(apagada e perdida num Presépio de aldeia)
Trazei convosco o Menino enfaixado
De auréola forjada
Com fios de metal…

Os meninos sem pai
Da Rosa da Esquina
Terão o seu Natal!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Oração


Senhor,
Vem ter comigo
No silêncio da sala vazia
De carteiras mudas que os dedos trigueiros dos meninos
Inconscientemente
Polvilharam de tinta…

Não olhes as manchas azuis, Senhor!
Tu SABES
Que os dedos criminosos
Já foram castigados
E a tinta foi raspada do chão…
Mas, Senhor,
Dentro de mim
Ficou a ressoar
O choro convulso e magoado
Dum que talvez merecesse o meu perdão
 E o não teve…
Vem ter comigo,
Depois de um dia que podia ser cheio
E foi talvez vazio
E triste
E apagado
E tão insatisfeito como eu…
          ( - Ai esta fome de perfurar o Céu!...-)
Não apenas
Porque, pedagogicamente,
Não se deve bater,
Mas, sim,
Porque não há nada tão inconsciente
Como uns dedos inquietos de menino
Metidos num tinteiro…

Vem ter comigo,
 No silêncio da sala vazia,
Agora,
Que eles foram a cantar caminho fora
E me deixaram só
Com a lembrança do choro magoado
A conversar
Contigo meia hora!...

Amanhã,
Senhor,
Não FIQUES PREGADO a tarde inteira.
VEM.
E toma o teu lugar…
Quando em coro rezarmos,
E tudo for unção,
Dá-me a força enorme e luminosa
De começar o meu trabalho
De olhos a sorrir,
Apesar das manchas azuis
A sombrear o chão…
Apesar dos fatos rotos
              ( - Rotos e mal cheirosos…)
Que a chuva lava
E o sol enxuga levemente…
De olhos a sorrir,
Apesar de tantas faces magras
E olhos transparentes
A perguntar os «quês»
De coisas sem sentido…
E às vezes, Senhor,
Às vezes,
Apesar de repetir
Que as mãos dos meninos são de neve
E vê-las junto de mim
Vestidinhas de negro…

Vem ter comigo, Senhor!
Mas, VEM,
Principalmente,
Quando a Ana ciciar a lição

Naquela voz pausada
De quem sabe e não se quer ralar…
Vem, Senhor!
Mas, VEM,
Principalmente,
Quando a paciência disser «sim» ao cansaço
E eu erguer o braço
E me esquecer
Que TU ESTÁS aí,
Silenciosamente,
A VER…

Vem
Quando eu explicar as tais frações
E as outras lições
Que fazem bocejar…
Vem ter comigo, Senhor,
No silencio da sala vazia,
Agora, que eles foram a cantar caminho fora
E ENSINA-ME

Nesta quietude das carteiras mortas
Que as almas são mais,
Muito mais importantes
Que os ditados sujos
Que as contas erradas
Que os olhos parados
Que os fatinhos rotos
              (- Rotos e mal cheirosos!- )
Que as mãozitas negras
Que as manchas de tinta já raspadas…

Vem ter comigo
No silêncio da sala vazia
De carteiras mudas
E que eu decore,
Não como a Rosa decora a tabuada,
             ( - Ela apenas consegue decorar!- )
A frase escrita a verde

Nas folhas brancas do meu quotidiano:
            - É preciso saber PERSEVERAR!!!...


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Ofertório



Meu Senhor Jesus Cristo
Eu vos ofereço,
Dos dias brancos da minha Juventude
As horas esquecidas,
As horas paradas,
As horas tristes em que me sinto só
Como só é a curva da estrada…
E as outras,
Aquelas outras a que chamo Alegria
E são cheias de Vós
Abençoadas!

Eu Vos ofereço
As lições de cada dia,
Aquelas que os alunos não aprendem
Porque eu não as sei explicar…
E as outras
Aquelas outras,
Em que sou aluna entre os alunos
E com eles,
Aprendo a soletrar!...

Eu Vos ofereço
Os poemas que vivo
E sofro e rezo…
E os outros que faço e não compreendo
E que não creio meus…
As tardes que se deitam sem Ocaso…

As manhãs que se erguem sem Auroras…
E a luta árdua,
Rubra, persistente,
Da minha vida feita de momentos
Que eu sonho concentrar,
Num poema de Fé
No dia que virá…

Eu Vos ofereço
O muito do pouco que possuo
E com ele o todo doutras almas
Que esperam ansiosas,
Na berma da estrada,
Por um dia de Sol…
E através de tudo,
Se conservam fiéis,
Singelas, radiosas,
E puras como arminho…
Implorando à Vida,

Uma presença!
Um Sinal!
Um Caminho!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Povo


Não me venham perguntar
Se espero com fervor
O dia de amanhã que vai nascer...

Deixem-me passar...
Deixem-me passar por entre o povo...
É bom o povo
Porque olha e não vê
E se vê, não pergunta nem responde...

Deixem-me passar...
............................................
Eu quero ir
Mas não sei para onde...

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Regresso II


Durante muito tempo
Os nossos passos traçaram paralelas
Depois
Não sei porquê
O Sol ridente deixou de ter sentido
E a escuridão aconchegou-nos
Nos seus braços mortos...

Agora
Que voltamos à luz
Só temos pr'a lembrar
A dor sem nome
Desses caminhos tortos!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Rota


Nascemos ambos
Nús e famintos
De mãos suplicantes
A perguntar à Vida as leis do Amor...
A Vida passa, olha e não responde
E nós
De alma inteira vestidinha de Dor
Lá vamos
Sós
A caminhar em direção... Aonde?

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

domingo, 22 de janeiro de 2012

Limitação


Ai esta sede amarga de chorar
Ou desfazer-me em gargalhadas cruas...
Este sentir
De não mais atingir
Ardentes sóis
Ou transparentes luas...
Este pedir pousadas
E mendigar auroras
Pelas ruas desertas
Jamais iluminadas
Este sorrir sem Fé e sem Ventura
Esta fome imensa de me dar...
Esta imensa amargura...
Ai este Sol sem poente dourado...
Ai esta sensação de ser na vida
Um pedaço de barco naufragado
Sem nome e sem medida...
Ai este Nada
Faz-me sentir perdida!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

sábado, 21 de janeiro de 2012

Canção da Esperança


Canta-me tu uma Canção de Esperança
Antes que venha a chuva
E as estrelas deixem de brilhar
Uma Canção de Esperança
Feita de risos, de pássaros, de Sol
De neve a cintilar...

Sou menina enjeitada...
Sou peregrina faminta...
Sou pássaro perdido...
Sou estrela caída...
Sou espelho apagado...
Sou onda sem maré...

Já deitei fora
Farrapos negros dos meus sonhos rotinhos
E estendi à Luz
No arraial da Dor
Os troncos nus dos meus cedros partidos...

Canta-me tu uma Canção de Esperança
E deixa-me pousar
Serenamente como criança nua
No teu regaço a minha alma parada...

Uma canção de Luz, de Sol, de Fogo
Da neve a cintilar

Antes que venha a chuva
E as estrelas deixem de brilhar!...

Maria Helena Amaro
In. «Maria Mãe», 1973

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Revolta


Ide
Ide dizer aos outros que estou louca
Porque o meu desejo é
Dar um bom pontapé
Na tal sociedade...

Ide
Que eu fico
Feliz
A gargalhar
e a tentar
Contar
Os tais palmos que vejo
À frente do nariz...

Ide
Pouco me importa o que possam dizer
As pessoas de ideias enjeitadas...
Eu hei-de continuar
Serena a caminhar
Sem cadeias, sem grades, sem torpezas
Sem questões raciais...
Eu, sou eu...
E nada mais!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Libertação


Deixem-me ver o Sol!
Deixem-me ver o Sol!
E estender os braços às Alturas!
Venho cansada
De percorrer caminhos
Cobertinhos
De pó
Chamem-me louca
Ou possessa...
- Pouco me rala o que possam chamar!
Mas deixem-me gritar
De braços para o Sol
Mesmo que o meu grito seja negro
E rubro como o fogo:
- Estou liberta! Estou liberta!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Poema

Ainda que tenha de beijar o chão
E chamar mãe à calçada da rua
E afagar a Dor de te não ter
Tu hás de viver dentro de mim
Na suave lembrança
Daquela Primavera...

Ainda que a Vida seja Inverno
E me transforme a alma toda em lama,
Por entre a chuva da desgraça
Tu hás de ser o Sol da minha Esperança
A sorrir no firmamento escuro
Numa promessa branca...

Ainda que a Vida seja toda
Um vendaval sem luz e sem Ventura
Sem Aurora a romper,
Tu hás de morar dentro de mim
Hoje
Amanhã
Com as ondas do mar mora a espuma
Sempre, sempre a crescer!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973. 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ideal


Se eu abrisse os olhos e sorrisse
E tu me compreendesses
Ó Ventura Suprema de Viver!

Acabar-se-iam os olhos parados
As frases sem sentido
O abanar das minhas mãos vazias
E a tristeza dos meus olhos sem brilho...
A vida sem doer...

...................................................................
Caminho
E tu vais sempre a meu lado
Nas sombras projetadas na distância...

No entanto
Se abro os olhos e sorrio
Tu não me compreendes
Tu jamais poderás compreender!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973  

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Silêncio (2)


Quando a Noite desceu
Serena sobre mim
Achei-me a soluçar...
As minhas asas brancas
Quedaram-se no ar!
Um voo de gaivota era o meu
Suspenso sobre o mar...

Quando o sol se apagou
Na rota dos meus sonhos
Achei-me a soluçar...

Vieram as estrelas e quiseram
A Rota iluminar...

Lentamente
As minhas asas brancas
Quedaram-se no ar!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973 

domingo, 15 de janeiro de 2012

A pureza



Eu quero acreditar
Num milagre de amor...
Hei-de guardá-lo nas minhas mãos estreitas
E conservá-lo
Dentro de mim numa manhã azul
Povoada de gritos vermelhos
E gargalhadas brancas
Puro, suspenso
E virginal
Como
O primeiro riso
Dum menino de berço...

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

sábado, 14 de janeiro de 2012

Quando eu era criança


Quando eu era criança,
De alma toda pura
Pensava que o orvalho das manhãs
Era pranto de fadas sem ventura...
As pedras do caminho tinham nomes,
As silvas eram belas
E quantas noites eu ficava ao relento
A contar as estrelas!...
Lançava nas poças, lá da rua,
Barquinhos de papel:
Iam cheios de bolas de sabão
Azuis ou cor de mel...
E as bonecas de trapos tinham alma
E sabiam chorar...
Quantas vezes, corria campos fora
Alegre, a saltitar!...

Quando eu era criança.
De saias rendilhadas,
A Primavera durava a vida toda
E a tristeza vestia-se de branco...
Erguia os braços atrás das borboletas,
Falava aos passarinhos...
E lavava as minhas mãos sedosas
Na lama dos caminhos...

Quando eu era criança
E as manhãs saudava a sorrir...
........................................................
........................................................
Depois...
Porque cresci, Senhor?
Os Homens ensinaram-me a mentir!!!...

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O riso das crianças


O poeta parou
A meio da montanha
A procurar nas negras pemedias
Um cardo todo em flor...
Surgiam madrugadas,
No ar andava uma canção de Amor!
.............................................................

Se passam a cantar,
É bela a Primavera
E não há mistérios no luar...
Os olhos todos tule...
As faces radiosas...

Olhai o riso das crianças
Tão semelhante ao desfolhar das rosas!

Dançam as sombras estreitas
Numa rua sem sol...
Há dor a fustigá-las todo o dia!
Há Céu a espreitá-las todo o ano!
A vesti-las de esperança
Há risos de meninos
A rendilhar espaços
De etéreas mariposas...

Olhai o riso das crianças
Tão semelhante ao desfolhar de rosas!
.........................................................

O Poeta morreu
Na montanha de negras penedias
Há cardos de cores belas...
A recordar o Céu
Ficaram as estrelas 
A recordar a Vida
Ficaram as flores todas formosas...

A construir promessas
Ficou o riso das crianças
Tão semelhante ao desfolhar de rosas!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A aula do silêncio



A aula do silêncio
É de todas
Aquela que mais sei aproveitar...
As carteiras vazias são alunas
Cegas e surdas
Que não sabem falar...
Quedo-me toda neste silêncio d'oiro...
- Meu Deus, é bom viver!
- Minhas meninas...
Minhas senhoras das carteiras vazias
Correi, gritai, sonhai...ide brincar!
Deixai-me só.
Esta aula é de todas
Aquela que mais sei aproveitar...
Logo
Abro as janelas...
A sala é toda vossa!
O Sol já pode entrar!...

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Vida I



Há portas zincadas pintadas de branco
Nas casas cinzentas na rua sem sol
Meninos que correm… meninos que saltam…
Telhados vermelhos no céu todo luz…
E na rua sem sol de casas cinzentas
Há portas zincadas pintadas de branco.

A vida não para. A vida é comboio
De corda barata
Pintada de azul…
Tem portas fechadas de branco pintadas
Tem rodas de fogo
Tem silvos de dor…

Meninos que brincam na rua sem sol

Não batam às portas
Das casas cinzentas
De portas zincadas
Pintadas de branco…
Que a vida não para
Que a vida é comboio
De corda barata
Pintada de azul…

Quem toma lugar no monstro que corre
Só para na rua
Do riso que é dor…
Meninos que brincam na rua sem sol
Não batam às portas das casas cinzentas
Viradas ao sul… viradas ao norte…
Que a vida é comboio
Que a vida não para…
Que a vida é comboio
Da linha da morte!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Primavera Azul


Todo te espelhas na Primavera Azul
Que há dentro de mim
E te reténs no gargalhar de renda
Da minha boca moça...


E este Sol que brinca inquieto e rubro
Nas minhas mãos pequenas
É toda uma riqueza
Que tenho para dar
Em troca dessa Fé sempre nova
Em recompensa dessa Manhã de Luz
Que em ti vim encontrar...


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Senhora da Alegria

Senhora da Alegria
Das gargalhadas brancas

Nas bocas dos meninos
Perdidos nas estradas


Ai que penumbra vai pelos caminhos!
Céu vazio de estrelas
E nas almas paradas
Brotam risos mortos...


Dizei, Senhora,
Onde buscar a alegria pura
Se toda a gente se veste de amargura?


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973 

domingo, 8 de janeiro de 2012

Cântico da vida



Menina linda de farrapos vestida
Porque na tua dor
Consegues ser resignada e nobre
Humana e pura
Ensina-me as palavras luminosas
Do cântico da vida


Menina linda descalça pela rua
De mãos traçadas num jeito de mulher
Porque na tua dor
Consegues ser resignada e nobre
Humana sem ser má
E pura sem ser fria
Ensina-me as palavras luminosas
Do Hino d'Alegria!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

sábado, 7 de janeiro de 2012

Saudade


Quanta riqueza passou nas minhas mãos!
Quantas montanhas de riso e de ternura!
Quando tratei os alunos como irmãos
E fiz do meu trabalho uma aventura.

Na caminhada nunca estive sozinha,
nos dias mais sombrios de amargura.
A Escola foi sempre uma vizinha,
que me tornou a vida menos dura.

Agora que a jornada terminou
e a luz da Escola se apagou,
tornando a minha vida mais sombria;

Recordo o oiro que nas mãos me passou…
Nada recebo e também nada dou…
A Saudade é o pão de cada dia.
Inédito – Maria Helena Amaro
Braga, fevereiro - 2004

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Manhã


Vamos conversar
Anda daí.
A tarde é longa; o horizonte é nosso…
Sinto-me leve
O sol às gargalhadas
Anda louco de luz por sobre a neve
A espalhar riqueza nas estradas…

Passam crianças
Crianças rotas aos bandos no caminho…
Lá vou com elas
A sorrir de mãos dadas…
Murmura o povo:
- Olha que tonta aquela cotovia
Rejeita o pão p’ra chegar às estrelas!...
Mas eu… mas eu lá vou com elas…

Hei de cansar as pernas a correr
Hei de banhar-me toda à luz do Sol
Hei de rir da tristeza
Hei de gritar
Hei de fazer do mato asas de renda
E com elas voar…
Se o Céu é tão azul…
E depois a descida?
Ah? Não importa
O que importa é empurrar a Vida? ...
………………………………………………………..
Ó meu Amor
Como é tão feio
Num dia assim de Sol
Este uniforme de pessoa crescida !!! …


Maria Helena Amaro

In, «Maria Mãe», 1973

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Se ouvires a voz do vento...


Se ouvires a voz do vento
chorar entre os pinhais
e o grito das gaivotas
suspensas sobre o mar
não pares no caminho,
não queiras escutar,
que o vento e as gaivotas,
só chamam temporais.

Se ouvires a voz do vento,
cantar entre os trigais,
à hora em que o sol
é rubro diadema,
sou eu que te procuro
e não encontro mais
e faço dessa busca
uma razão suprema…

Se ouvires a voz do vento,
saltar sobre os beirais
e a chuva miudinha
cair sobre o telhado,
recorda-te de mim
que já não sou miragem
que as asas perdi
numa longa viagem.

Cansada de sonhar
regressei ao passado…
Se ouvires a voz do vento…
dançar sobre o telhado…

Inédito, Maria Helena Amaro
Braga, fevereiro, 2006

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Outono (2)


O vento passa a chorar
Ao longo dos pinheirais...
Cai a chuva de mansinho
Na poeira do caminho...
- Ó vento, não chores mais!

Dançam folhas de arvoredo
Ao longo da minha rua...
As aves choram no ninho...
Os pobres pedem carinho...
- Ó vento, que Dor a tua!

A caminho da Escola
Passam crianças descalças
Uns levam rotas as calças
E outros a camisola...
Vão alegres, de mãos dadas,
A chapinhar os regatos.
Nunca usaram sapatos
Ou alpercatas bordadas...

- Ó Vento, pára um instante,
Deixa passar as crianças!
Deixa-as passar a sorrir...
- O que dizes em segredo
Às folhas do arvoredo
Elas não devem ouvir...
...........................................
...........................................
- Ó Vento, não chores mais!
A tua Dor é quimera!

Deixa passar as crianças
Nelas vai a minha alma
Toda vestida de Esperança
Sedenta da Primavera!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Cântico negro de amanhã




Quebraram-se os cristais…
Fecharam-se as janelas…
E os Mendigos da Fé
Ficaram à porta da rua
A espreitar o Céu…
- Ai a tarde sem Sol parece Noite!

Na calçada da rua
Passa o cortejo dos ideais falhados…
E o riso das crianças
Já não fazem sonhar…

Silêncio.
Dor.
Anseio infindo de perfurar espaços
E Agonia surda de sentir os braços
Demasiado curtos…

Andam desejos de Deus em cada olhar…
Sonhos são brados…

E na multidão
As almas sem Esperança
Dobram-se todas
E gritam:

- Ninguém O viu passar!
- Ninguém O viu passar!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Cântico Branco


Venho de longe, de países sem nome
De cidades sem luz
De caminhos sem fim...
Trago comigo os meus sonhos ciganos
Os meus risos de dor
Os desalentos de tardes sem ocaso
De manhãs sem aurora
De estios sem sol
De marés sem espuma
De outonos sem cor...

Venho de longe
Cheguei ontem na calada da noite
E repousei na fé
Amanhã
Fugindo ao desespero
Irei tentar de novo
À conquista da esperança...
Venho de longe...
(onde encontrar guarida?)
A procurar em vão
No mundo ando perdida!!!
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Senhor! Eu tenho a Vida!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973