Periodicidade de publicação de poemas

Caros leitores:
Espero que desfrutem na visita a este espaço literário. Este sítio virtual chama-se “Maria Mãe” e tem como página principal os poemas de Maria Helena Amaro.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Quando eu nasci
















(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Quando eu nasci
ninguém sorriu...
Minha mãe
chorou
e disse em voz dorida:
É mais uma mulher!
Já há tanta infeliz
a sofrer nesta vida!

Quando eu nasci
ninguém cantou...
A minha avó 
a tal Ana Pedreira
fez um espanto
e num jeito muito seu
de voltejar a saia
disse à maneira:
Ah, é uma menina
Deus lhe dê a água do baptismo
e a ponha no Céu...

Quando eu nasci
ninguém dançou...
Meu pai
de rosto grave e sério
aceitou a menina
pensando no primeiro filho
varão nascido morto
e já no cemitério...

Quando eu nasci
ninguém  sonhou...
Só  a parteira
Dona Lina Grazina
me ergueu nos braços
ainda húmida do ventre ensanguentado
e disse com ternura:
Olhem só isto
Mas que linda menina!
Que Deus seja louvado!
Pensando numa neta desejada
beijou-me toda
lavou-me 
vestiu-me
deitou-me docemente
junto da minha mãe
e rematou:
Já que ninguém te fada
que Deus te fade bem!

Quando eu nasci
ninguém me recebeu...

Só tu Lina Grazina
pela tua bondade
Deus te fade no Céu!


Maria Helena Amaro
Agosto, 1988
Esposende  

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Opção


(Fotografia de António Sequeira)

Para te encontrar fugi de mim
de tanta coisa que a vida prometia
Sonhos...ideias.. E um dia
achei-me pobre entre um Não e Sim...

Para te encontrar vesti-me de jasmim
vendi ao Sol em troca de alegria
a luz intensa do meu vergel jardim...

Pensei de certo que deslumbrante assim
ao encontrar-te na minha fantasia
seria eu a rainha do festim...

Maria Helena Amaro
Agosto, 1992

domingo, 20 de outubro de 2013

Destino


(Fotografia de António Sequeira)

O cheiro intenso e doce das giestas
faz-me lembrar o tempo de meninos...
Ia correr nos campos à borda das valetas
apanhar as flores de forma pequenina...

Diz a minha mãe: Tu és como os patetas,
qualquer coisa bonita te torna tão feliz...
Olha, que as senhoras só usam violetas
colares de prata fina, de ouro, de rubis...

Mas eu cresci, então, e sou como os poetas
uso colares de urze e de mimosas
beijo as flores quando estão abertas...!

Gosto do rosmaninho e de tulipas pretas,
cuido canteiros de perfumadas rosas,
e vou regá-las sempre a horas certas!

Maria Helena Amaro
8/04/1988
(Publicado no Jornal de Serpins)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Desencanto


(Fotografia de António Sequeira)

Cheguei a ver os filhos, mas não verei os netos
- asas de fogo no espaço a pairar-
Não poderei erguer ou levantar
num só dedo de altura os meus projetos.

Vejo morrer os sonhos mais diletos
Vejo-me a vida aos poucos sem parar...
Ouço a terra docemente a chamar
estremecendo os meus passos incertos.

Não semeei a dor nunca a quis cultivar
mas, ela cresceu como os abetos
cresceu, na serra, ao brilho do luar...

Antes morrer cantando que chorar,
que mendigar nos caminhos desertos,
o pão do amor que não sei encontrar...

Maria Helena Amaro
Abril, 1988
Foz de Arouce

domingo, 13 de outubro de 2013

Sombra



(Fotografia da António Sequeira)

És como uma sombra de mim, negra saindo
caminhando no chão, sempre a meu lado...
Fantasma de duende condenado
de rosto em frente à morte, reagindo...

Quimeras vão chegando e vão partindo,
erguendo mausoléus ao meu passado...
E tu ficas serena no pecado...
cinicamente a vigiar, sorrindo...

Desejos meus são dores que vais parindo
num pesadelo de todo ignorado
de amargura que vai crescendo e ferindo.

E por que és sombra sou eu que vou fugindo
num labirinto de noite inacabado,
à procura de Sol que for surgindo...

Maria Helena Amaro
Foz de Arouce
Abril, 1988  

sábado, 12 de outubro de 2013

Raizes


(Fotografia de António Sequeira)

Eu acredito, meu Deus, eu acredito
que estas árvores são como as pessoas,
só dão o fruto saboroso e bonito
quando no chão têm raízes boas...

Essas raízes, eu sei, estão aqui
nestes terrenos que meus avós desbravaram
com o suor no rosto e roupa de caqui
interessados na terra, a terra semearam...

Veio-me o fruto à mão sem o ter semeado
bate-me o sol a jorros na cabeça, no rosto
- ar tão puro da serra como este não há...

Um cheirinho a maçã a alecrim pisado
essência de giesta a chamar ao sol - posto
Quem quer viver aqui? Quem quer ficar por cá?

Maria Helena Amaro
Foz de Arouce
Abril, 1988
 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Dedicatória (Homenagem dos alunos à D. Maria Amélia Melo)















(Fotografia de António Sequeira)

Rolaram tantos anos
que já não sei dizer
quantos meninos como vós
eu ensinei a ler...
Rolaram tantos anos
que já não sei  contar
quantos meninos como vós
eu aprendi a amar...
Agora que vos vejo
crescidos feitos gente,
tenho tantas saudades,
desse passado ausente...
Nesse tempo de rosas
a alma toda vestidinha de esperanças
eu cresci e voei...
e aprendi a ser alegre e viva
no meio das crianças!
Hoje
quero apenas dizer-vos
com a voz tremente de emoção
Obrigada
vossos nomes e rostos
estarão sempre gravados
neste meu coração!

Maria Helena Amaro
Agosto, 1987

domingo, 6 de outubro de 2013

Neste dia (a uma filha de uma amiga)


(Fotografia de António Sequeira)

Neste dia
se mais tivera
mais te quisera dar...
(sei lá o que daria!)

Deponho em tuas mãos
um pouco dos meus sonhos
lembrança pura
de quem
já pouco tem...

Comigo fica
a ventura infinita
de te ouvir dizer.
Mãe!


Maria Helena Amaro
1986

sábado, 5 de outubro de 2013

Dia de Anos (Dedicatória a uma amiga)




















(Fotografia de António Sequeira)

Se voltasses a nascer
a ser bebé
a crescer
decerto irias ser
exatamente o que és
alminha de passarinho
flor da cabeça aos pés...

Mas como Amélia tem mel
e Farinho vem de Faro...
Tu és pintura em pastel
ouro de arte muito raro...

Mistura de terra e céu
se voltasses a nascer
tu não terias idade...

Exatamente o que és
flor da cabeça aos pés
a viver a eternidade!

Mas nesta vida de enganos
ainda é tão bom fazer anos!

Maria Helena Amaro
Julho, 1987


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Passado


(Fotografia de António Sequeira)
 
Vem perguntar se te lembras de mim
se eu sou a pequena envergonhada
olhando o Sol com a mão feita fala
com medo de perder-me ou
tropeçar na estrada...

Vem perguntar-me se ainda sou teimosa
se atiro a bola e não procuro a bola,
se faço "monas" de trapo e de serrim
e vou deixa-las à porta do meu bairro...

Vem perguntar-me se sou a pequenita
à procura de crescer sem ter vontade
de dizer aos outros que cresci...

Vem perguntar-me
talvez eu já não saiba
distinguir entre o passado pobre
e o presente que mostras ser ditoso.

Vem perguntar-me...
Não me lembro de ti,
sei apenas que ao longo da vida
encontrei às centenas
uns olhos como os teus
e na partida
talvez porque não os quis fixar
nunca lhes disse Adeus!

Maria Helena Amaro
Praia de Esposende
Agosto, 1987