Periodicidade de publicação de poemas

Caros leitores:
Espero que desfrutem na visita a este espaço literário. Este sítio virtual chama-se “Maria Mãe” e tem como página principal os poemas de Maria Helena Amaro.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Recado


(Ilustração de Maria Helena Amaro)


Irmã Pedra
não partas
agreste
o vidro da janela
da velhota zangada e presumida...
Por ti
por ti leviana e traquinas
o Zé
vai levar
na mão pequena, estreita,
talhada em carne negra
aquela reguada prometida...
Irmã Pedra
tosca, disforme,
fica-te ai...
Quero-te adormecida.


Maria Helena Amaro
Fevereiro, 1974
In Escola Remoçada 

domingo, 28 de julho de 2013

Palhaços


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Venho contar-vos
uma mentira morta...
a minha alma é palhaço central
e vós, remorsos velhos,
sois ajudantes desta farsa perversa
toda feita de mal...

Venho contar-vos
uma mentira morta...
Palhaço-Fé... Palhaço-Dor...
Palhaço-Sol...
Onde ia eu?
Já me perdi...
Palhaço-Choro, porque vieste aqui?

Maria Helena Amaro
In Escola Remoçada, 1974

sábado, 27 de julho de 2013

A visita





















(Ilustração de Maria Helena Amaro)

A visita 
(Homenagem ao Sr. Padre Vila Chã em 10/07/2013)

Cinzenta a sala
o quarto
o corredor
a parede nua sem a Cruz
e sem retratos…
Persiana fechada
de vidros opacos
com a luz fria
pendurada no teto…


Corpo doente… a alma esfarrapada.
Abriu-se a porta…
Alguém pediu entrada
Fiquei a olhar
Cinzenta e demorada…
Amigo? Médico?
Quem será desta vez?
Enfermeiro… talvez…
Mas o sorriso que no rosto
se abria
não era deste mundo.
- Bom dia! Eu sou o padre!


Naquela manhã de nevoento março
fiquei ali a escutá-lo muda…
- Doença?! Qual doença?!
- A vida é que se muda…
A doença deixou de ser doença
e a esperança desceu
à minha mão…
Um sorriso
uma palavra de perdão
uma bênção que não era cinzenta
encheu-me o coração.
Foi um encontro breve
uma pausa fugaz
mas o dia cinzento
transformou-se em luz
que me enchi de paz.


Sr. Padre Vila Chã
lá foi com um aceno
um sorriso fraterno.
Um sorriso de adeus…
E eu não fiquei só.
Fiquei com Deus
a falar com Jesus
fiquei com a palavra
de uma esperança serena…
Recordei a visita…
Que surpresa bendita!
E fiz este poema.
Pela manhã cinzenta
Cinzenta e demorada
- Enfim, muito obrigada!



Maria Helena Amaro

15 de março de 2012

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Dia dos Avós - 26 de julho (Casa do Pombal - Versão 2)


(Ilustração de Maria Helena Amaro)


«Casa do Pombal - Versão 2»
Dia dos Avós – 26 de julho 2013

Até ao cimo da íngreme ladeira,
ficava a casa de enorme paredes cercada.
Dava-lhe acesso o portão de madeira,
de aldraba negra, em ferro bem forjada.

«Abram a porta!» - Gritava a avó chamando.
«Abram a porta que o pastor quer entrar!»
As doces pombas espantavam-se em bando,
iam serenas no telhado poisar.

O pátio enorme cheirava a rosmaninho,
a feno verde, a cidra, a hortelã.
Os pardalitos pipiavam no ninho,
entontecidos com o sol da manhã.

Casa de agricultor! Tanto trabalho,
tanta lida, tanta vida, tanto ardor!
No tempo da azeitona, ceifa ou malho,
Trabalhavam até o sol se pôr!

Um grilo tonto na lareira escondido,
uma cigarra perdida no pomar,
a tontinegra com o seu alarido
compunha árias em noites de luar.

Vinha o cheiro de mosto do lagar,
vinham sacos de farinha do moinho,
vinha azeite da talha a gotejar,
vinha fruta, hortaliça, pão e vinho.

Primeiro foi a avó que foi embora,
cansada de trabalho e de sofrer.
Em cada mês, em cada dia, em cada hora,
doce lugar ficou por preencher.

E houve um dia em que todos partiram,
malas na mão e na garganta um nó.
Morreram uns, outros logo fugiram
ao trabalho da terra feita pó.

Fechou-se a casa, o avô ficou só;
Alquebrado, queixoso, sem ninguém…
E começou a andar… metia dó…
pela casa dos filhos: um vai/vem…

Envelheceu a casa. Em todo o lado,
Cresciam ervas… tudo era solidão.
Subiam as silvas até ao telhado
E cogumelos enfeitavam o chão.

Mas, um dia o milagre aconteceu.
Alguém a viu, alguém a desejou,
e a Casa do Pombal que se perdeu
numa alegre moradia se tornou.

Casa dos meus avós, das minhas tias,
da minha infância feliz e descuidada,
passo por ti e só sinto alegrias,
ao ver tuas paredes restauradas.

Sejam felizes os que vivem nela,
os que enfeitaram de flores a calçada,
pois colocaram vasos na janela
e fizeram da casa uma pousada.

Quando vou a Foz de Arouce de abalada
e antevejo essa casa florida,
encho de amor a minha madrugada;
São meus avós o chão da minha vida.

 
Maria Helena Amaro
Braga, alterado em julho 2013

 

domingo, 21 de julho de 2013

Um poema para Deus


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(Ilustração de Maria Helena Amaro)


Pensei um dia
escrever a Deus
uma carta de amor.
Uma carta de fé e de harmonia
cheia de petições…
Uma carta serena
Onde pedisse a Deus
remédio santo
a curar minha pena.

Pensei um dia
escrever a Deus
uma carta de amor…
Uma carta de paz e de alegria
cheia de riso e canções…

Não fui capaz…
deparou-se um dilema…
E se Deus não a lia?
Então
Ergui as mãos…
escrevi um poema!

 


Maria Helena Amaro
Inédito
Braga, 2 de junho de 2013.

sábado, 20 de julho de 2013

Dia da Mãe (1986)



(Ilustração de Maria Helena Amarro)



Deus sonhou, sorriu, cantou, chorou,
inventou uma lágrima de luz,
amou a luz e dela fez luar…

do luar fez caminhos de estrelas
amou estrelas e delas fez flores…

 
Mas o mundo estava incompleto
ansioso por Esperança e Ternura
e então Deus inventou a Mãe.


 

Maria Helena Amaro
Inédito, 1986
 
Nota do editor: A minha mãe fez ontem 76 primaveras. Hoje, os meus pais completariam  bodas de oiro do seu casamento.
Mãe, amo-te muito.
Pai, que vives a eternidade, amo-te muito.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Ontem



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Olha o dia de ontem que perdeste
(que ironia perder o dia de ontem...)
abjeta é a alma
que conta os dias mortos
pelos dedos das mãos...

Hão de ser mil as cores do Sol Poente
para tingir a vida
que irá morrer sem cor
nos dias que virão...


Maria Helena Amaro
(Concurso Pedro Homem de Melo)
1974

domingo, 14 de julho de 2013

Noite


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Na noite caminho
na noite repouso
na noite desenho
caminhos de luz...
Na noite me nego
na noite me busco
na noite projeto
a sombra da Cruz...
Na noite me perco
na noite me encontro
na noite me sinto
mendiga sem norte...
Na noite sou vida
na noite sou cor
na noite sou sangue
na noite sou morte...

Maria Helena Amaro
 
Inédito, fevereiro, 1974

sábado, 13 de julho de 2013

A história do linho



(Ilustração de Maria Helena Amaro)

O linho planta bela
tem a flor azulada...
(doba doba, dobadeira, doba,
não m' erices a meada...)

O linho foi semeado
de manhã, de madrugada...
Veio a chuva, deu-lhe beijos,
ficou a terra molhada...

Quando o linho é arrancado
fazem dele uma molhada...
O linho vai ser batido
com a minha mão pesada...

A água do rio há de
pô-lo da cor da nevada...
A luz do sol vai secá-lo,
enchê-lo  de luz doirada...

O meu fuso vai  fiá-lo,
fazer dele uma meada...
Tecedeira vai tecê-lo
no seu tear assentada...

Minha agulha vai bordá-lo
com linha toda asseada...
Olhai o linho bendito
feito toalha bordada!

(doba, doba dobadeira, doba,
não m' erices a meada)


Maria Helena Amaro
(letra de uma música sobre o linho)
1970

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Elegia a uma peixeira de Esposende


(Ilustração de Maria Helena Amaro)


Menina linda de farrapos vestida
porque na tua dor
consegues ser
resignada e nobre
humana e pura
ensina-me as palavras luminosas
do cântico da vida...
Menina linda de farrapos vestida!

Menina linda descalça pela rua
de mãos traçadas num jeito de mulher
porque na tua dor
consegues ser
resignada e nobre
humana sem ser má
e pura sem ser fria
Ensina-me as palavras luminosas
do livro d' Alegria...

Quando tu passas
menina linda de farrapos vestida
o temporal desfaz-se
e o barco da esperança torneado de cantigas
vais tu levá-lo ao mar...
Nas tuas mãos estreitas e morenas
vai a concha da vida...
E eu não sei
porque te ris dos meus sorrisos mortos
se me vesti de rendas
E tu lá vais de farrapos vestida...
Grito de sangue, de dor, de maldiça
é o teu grito
a que chamam pregão...
Ah, mas eu sei
que esse grito
menina de farrapos vestida
é o cântico branco
que te ensinaram a cantar à Vida!
Quando tu passas
menina linda de farrapos vestida
humana e pura
misto de carne, de fome de quimera
eu fico só por detrás da cortina
a murmurar canções,
canções de sol que chamem primavera
e, a minha prece ao Céu, à Terra, ao Mar
prece de fogo, de desespero e dor
é sempre igual
sem nome e sem medida,
mas jamais tem a força do pregão
esse pregão que soltas divertido
menina linda de farrapos vestida!

Maria Helena Amaro
Esposende, agosto de  1970.
Publicado em "Aurora do Lima".


domingo, 7 de julho de 2013

Ao Pai Tono (1969)

 
(Ilustração de Maria Helena Amaro)
 

Há dois anos era sonho
Há um ano um bebé...
Hoje sou um Sequeirinha
que se chama Tomané...

Não sei fazer grandes coisas
Nem um discurso botar...
Estou aqui muito pronto
p'ró meu papá festejar...

Viva, viva o meu papá,
que é tão parecido comigo.
Desde a cabecinha aos pés,
até mesmo no umbigo.

A mamã já se habituou
a este par tão catita...
Ó papá e se nós fôssemos
os dois a uma «farrita»?

.......................

A mamã escutou tudo,
mas não ficou rabugenta...
os maiores amores que tem
guarda-os ela ciumenta.
E p'ró ano, se calhar
tem cá uma «peneirenta»...

Maria Helena Amaro
Inédito, novembro, 1969.

sábado, 6 de julho de 2013

Dia de Anos (Ao Tono,1969)



(Ilustração de Maria Helena Amaro)


A vida... estrada de chuva.
A vida... resto de luz.
A vida... sopro de vento...
A vida... sombra de Cruz.

Mas se pelo chão sopramos,
quem nos abrigue do vento,
a vida já não é cruz,
nem é chuva, nem lamento...

Juntinhos, muito juntinhos
debaixo dum teto quente
não há tormenta que abata
o guarda chuva da gente...

Venha a chuva, venha o vento.
Venha a Cruz, venha o calor!
Já estamos preparados
a força chama-se Amor...

Maria Helena Amaro
Inédito, 16/11/1969

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Fuga (Ao Tono)




















(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Ergo-me cedo,
estendo as asas à luz da madrugada
e visto-me de Esperança...

Não sei se vou nascer...
Canta dentro de mim a terra inteira
e já não sei chorar...

Mas, se não tenho asas,
porque há em mim esta sede de voar?

Olhos no Sol
acredito de novo
em amizade, em ternura, em respeito
na parte bela de que o homem é feito
na luz ridente do Sol que vai nascer...
Subitamente
a nuvem negra desce sobre mim
e deixo-me morrer!


Maria Helena Amaro
Abril, 1070
(Concurso Pedro Homem de Melo)