Periodicidade de publicação de poemas

Caros leitores:
Espero que desfrutem na visita a este espaço literário. Este sítio virtual chama-se “Maria Mãe” e tem como página principal os poemas de Maria Helena Amaro.

sábado, 31 de agosto de 2013

Recado para a minha Mãe


(Ilustração de Maria Helena Amaro)


Quando sou maroto,
e me perdoas...
e tens sempre um riso para mim,
a vida é toda «coisas boas»
e nunca vai ter fim...
Quando estou doente,
e me agasalhas...
e te desfazes em gestos de ternura,
(mesmo se me ralhas)
a doença tem menos amargura...
Quando me sinto só,
e tu me dizes:
- O meu filho que tem? que tem?
- logo somos felizes...
Porque o meu mal tu transformas em  bem.

Menino sou,
Menino quero ser,
a vida toda, além... além... além...
Contigo vou, de mão dada, viver...

É tão doce ter Mãe!


Maria Helena Amaro
1988

quarta-feira, 28 de agosto de 2013




















(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Pobre da «bó»
ali tão só
Faz rilhi-lhi... rólhó... lhó...
Olho-a de lado,
mete-me dó...
Vem uma ralha
outra petiga
e a pobre «bó»
a ninguém liga...
Fala dos seus
netos e tretos
coisas de Espanha
e mais tarecos...
E a pobre «bó»
mete-me nojo
mete-me dó...
Camisa é saia
saia é laró...
«Chica-se" toda
toda se suja
pobre da «bó»!

Não quer remédios
não quer pastilhas
quer o seu copo
frango de ervilhas
quer o seu copo
de bom verdesco
pobre da «bó»
tão pobre e só
causa-me asco...

Vem a família
vem ver a «bó»...
Riem-se dela
(cheira a cocó)
Vem ver a velha
pobre da «bó»...
As enfermeiras
falam-lhe alto
da bata e salto
bem altaneiras...
E a pobre «bó»
ri de mansinho
pede-lhes vinho
pobre da «bó»...

Vai à casinha
é um transtorno...
chichi no chão
e por onde passa
fralda e descalça
mete-me dó...

Pobre da «bó»!
pobre da «bó»!

Ó «bó»... Ó «bó»...
Vai a parar
vai a virar
o teu trenó
que ninguém pense
que ninguém ria
do teu penar...

Bebé de novo
voltas às fraldas
voltas ao riso
voltas às coisas
que vivem só...

Pobre da «bó»!
Pobre da «bó»!

Maria Helena Amaro
Maio, 1976
(Concurso Novos Poetas - Pedro Homem de Melo)

domingo, 25 de agosto de 2013

Revolução


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

25 de abril
meu dia de gritar
meu dia de crescer
meu dia de rezar
meu dia de viver
meu dia de cantar
meu dia de nascer
meu dia de lutar
sem medo de perder...

Meu poema liberto
com asas de condor
meu caminho deserto
minha arma, minha flor...

Meu sino de cristal
minha canção de Amor
minha manhã de Sol
minha aurora de cor
Quem te falou de "não"?
Quem te ensinou rancor?
Quem fez de ti prisão?
Quem te vestiu de dor?

Exigência de ser
livre para sonhar
amar só por amar
e por amor vencer...
Por verdade falar
sem medo de sofrer
ainda acreditar
dizer... dizer... dizer...


Maria Helena Amaro
Maio, 1975
In, Escola Remoçada  

sábado, 24 de agosto de 2013

Sepulcro


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Tu és nada
mas Deus existe em ti
e por ti se quer mostrar aos outros
mas tu não queres
e o pão que dás é pedra
e a palavra grito
o passo pontapé
o gesto soco
o sorriso esgar
a lágrima revolta
a verdade penumbra
a mentira noite
a certeza traição
o sentimento medo
a justiça vingança

Sepulcro vivo
fantasma comandado
a tua ambição é ser Senhor...
Deixa-me rir
(mas tu não deixas)
meu pobre
meu negado
meu palhaço - ditador!

Maria Helena Amaro
Maio, 1975
In Escola Remoçada 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Irmão


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Esfarrapado e sujo
faminto e mal cheiroso
és meu irmão...
Patrão e opressor
milionário e chefe
és meu irmão...
Revoltado e liberto
vingativo e mordaz
és meu irmão...
Feitos do mesmo pó
oriundos da mesma região
almas em sangue e carne
temos luz, temos Deus, temos razão...
Por isso
prisioneiros na mesma imensidade
mãos unidas na mesma direção
exigimos à Vida
liberdade!

Maria Helena Amaro
Maio, 1975
In Escola Remoçada 

domingo, 18 de agosto de 2013

Livre




















(Ilustração de Maria Helena Amaro)

No princípio era eu
de pés e mãos atadas
em busca da verdade
que não achei nos humanos...

Depois...
«marginaram-me» porque quis ser livre
e descobri em caminhos comuns
uma rota diferente...
...e cantei debaixo de fogo
os meus poemas brancos...
... e fabriquei umas asas de luz
para atingir estrelas...
... e acreditei em voos ao acaso
e silêncios serenos...
... e pus o Sol onde havia mentira
e combati terror...
... e quebrei minhas algemas de oiro
com chaves de cristal...

Agora...
«marginado» sou livre
como o Sol, como o vento, como o mar
como o sonho a nascer...
como a ave a voar...
como o rio a correr...
como a onda a quebrar...

Sou livre
embora marginado
vou gritar
e vou dizer
e vou cantar
e vou levar
ao meu irmão
na mão
uma flor:
Amor... Amor... Amor...

Maria Helena Amaro
Maio, 1975
In Escola Remoçada


sábado, 17 de agosto de 2013


(Ilustração de Maria Helena Amaro)


meu pequenino Zé
de olhos pasmados a perfurar o céu...
Aqui, te mando a carta
escrita há tanto tempo
na era das coisas só segredo...
Lembraste Zé?
Ainda não morreu
a tonta professora
a prometer o Sol cheia de medo.
Mas, agora,
meu pequenino Zé,
vamos correr, saltar, cantar à Terra
a nossa liberdade sem segredo...
Vamos pedir aos homens
uma escola viva
sem fantoches a servir de santos
sem fantasmas a pedir sinais!
... água que mate a sede
... pão que sacie a fome
... roupa que agasalhe corpos
... justiça que perdoe
... ciência que congregue
... trabalho que redime
(Ó Zé, para quem vive tão pobre não é pedir demais...)

Meu pequenino Zé
Não te esqueças de gritar caminho fora
contra o ódio que só destrói a paz
contra o rancor que só separa irmãos...
(onde está a canção dos homens bons?)

Milionário duma verdade viva
vamos pedir aos homens
que gravem à porta das escolas
os direitos roubados à criança...
Vamos gritar
Vamos dizer
(flores na mão... flores na mão...
flores na mão...)
Não matem a Esperança!
Não matem a Esperança!

Maria Helena Amaro
Junho, 1974

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Carta


















(Ilustração de Maria Helena Amaro)

A tua oferta é um hino de Amor
o teu sorriso branco
a redação correta
o teu jeito de dar
a letra mais bonita que fizeste.
A razão grita.
Isto é Escola, Zé! Isto é Escola!
Mas, não sei porquê
fico-me parada
a alma toda a rir à gargalhada
- A razão em mim será senhora? - 

«Não voltes a ir tarde 
ouviste, Zé?»
Mas tu não ouves 
o teu olhar
é um bando de pardais em revoada
em busca do azul janela fora...
Irei ralhar-te?
Não.
Meu Deus, não sou capaz!
Grita a razão:
- Bonita professora!
(E é toda mordaz)
Mas não me importa...
Também já fui criança.
Terei de sê-lo agora.


Maria Helena Amaro
Maio 1974
In Escola Remoçada


domingo, 11 de agosto de 2013

Crianças do bairro da lata



(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Na lata nasci
na lata morei
nela me perdi
nela me encontrei...
Meninos guardados
em casas de prata
meus filhos famintos
na bairro de lata...
No bairro de lata
passaram apressados
senhores de gravata
e nós... remendados!
A lata não cresce
a lata não come
a lata só desce
no mundo da fome...
Fizeram jardins
( é linda a cidade!)
Mas nós só vivemos
amarga verdade
barraca barata
no bairro de lata...

O bairro de lata
mandaram queimar...
As trouxas às costas
nós vamos erguê-lo
num outro lugar...
Semente de lata
não morre, mas mata.
Ninguém se consome
que a paz é de prata
e a vida é de fome
no bairro de lata!
Do bairro de lata
iremos fugir
descer à cidade
gritar, exigir...
Tombar os senhores
que usam gravata
um lenço de seda
um garfo de prata...
Queimar-lhe os discursos
- dinheiro é questão -
dar-lhes por almoço
batata e feijão.

E eles vão saber
sem ser por jornais
que os bairros de lata
não crescerão mais...
.............................
Venham marginais
venham à cidade
comer as flores
beber os discursos
vestir as canções,
mas digam aos homens
que usam gravatas
que mostrem gestões
que ergam cidades
sem bairros de lata!

Maria Helena Amaro
Abril, 1974
In Escola Remoçada

sábado, 10 de agosto de 2013

Opção




















(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Quem me dera dizer o que disseste
quem me dera cantar o que cantaste
quem me dera sonhar o que sonhaste
quem me dera morrer onde morreste!

Mas tive medo.
E não disse
e não cantei
e não sonhei
e não morri.

Só mais tarde
demasiado tarde
no teu poema de luz e de verdade
aprendi a soletrar
a palavra
Liberdade!

Maria Helena Amaro
abril, 1974


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

20.000 visitas! Obrigado a todos os leitores que nos vão visitando. Esta página é também o vosso lar literário. Boas leituras. Um abraço virtual.

Opressão


(Ilustração de Maria Helena Amaro)


Surgiram da noite
do silêncio das coisas escondidas
com olhos de fogo
e gestos de vingança…
No escuro inventaram lições
e ensinaram na terra de ninguém
um culto novo de deuses fabricados…
Vieram por atalhos
Encheram fracas e ocuparam ruas
Vestidos de cetim…
Por onde passaram
ergueram catedrais
ao ódio
ao medo
à dor
à maldição…


Na cidade das coisas primitivas
da seiva da justiça
nasceu uma criança…
Quando cresceu
e aprendeu a palavra Verdade
abriu os olhos
e viu
e espantou-se
e gritou
e exigiu
e vendo destroçada
a cidadela chamada Liberdade
disse à tumba que não… que não… que não…
Ninguém a escutou.
Foi nesse dia que nasceu a Opressão!
 
 
Maria Helena Amaro
Fevereiro, 1974
In, Escola Remoçada

domingo, 4 de agosto de 2013

Recado (a uma colega)




(Ilustração de Maria Helena Amaro)


És feliz?
Dizem as tuas gargalhadas loucas
os teus gestos libertos
as maças vermelhas
suspensas no teu rosto
dizem-me que és feliz...
E acredito.
Mas não posso aceitar-te
porque no teu egoísmo sem fronteira
há indiferença pela vida que nasce...
És feliz?
Quero  mostrar-te
Vem,
vem ver comigo
famintos aos montões
que vão morrer ao sol
encerrados na fome comum
vítimas inocentes
de uma sociedade
feita por muita gente como tu!


Maria Helena Amaro
Fevereiro, 1974 

sábado, 3 de agosto de 2013

Formiga


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Foge da bota
pesada e suja
do lavrador cansado...
Foge do dedo
sujo de tinta
do menino mau...
Foge do sopro
adocicado e doce
da donzela burguesa...
Foge da chuva
miudinha e doce
encharca - carvão...
Sê livre...
nem fronteira?
nem lei?
nem patrão?
Trabalha... trabalha...
Formiga - migalha...
Trabalha no chão...

Maria Helena Amaro
Janeiro, 1974