Nossa Senhora
Nossa Senhora de carinha feia
De vestes cinzeladas
Do presépio da aldeia
Senhora branca de cabelos dourados
De mãos sem dedos,
(dedos de barro apenas esboçados…)
Pousadinhas a medo
Sobre os joelhos hirtos…
Nossa Senhora Mãe
Quantos caminhos andaste até Belém?
Estradas de serrim…
Nevados de algodão…
Caminhos de espinheiros…
Montados e desertos…
- Vaidoso vai o punho
Que vos pintou sapatos tão bonitos!...
Senhora linda de carinha feia
Dai-me o Vosso Menino enfaixadinho!
Quero levá-lo
Assim humano e puro
de porta em porta
pelas ruas do mundo…
A Rosa da Esquina tem meninos…
(tem meninos sem pai…)
Rotos, famintos, vestidinhos de trapos…
Quem me dera metê-los num Presépio
Num Presépio da aldeia!...
Dizê-los filhos duma Nossa Senhora
Nossa Senhora de carinha feia…
Magrinhos e sumidos
Vão pelas ruas
A chapinhar descalços
De mãos dadas nas mãos
Juntinhos
Nos passeios…
Nossa Senhora do Presépio da aldeia
De olhos tão distantes
Mãe dos Meninos da Rosa da Esquina
(os meninos sem pai)
Fazei-vos sopro e vida…
Trazei Convosco o Menino Dourado
E vamos pelas ruas
De porta em porta mostrá-lo a toda a Dor!
Levá-lo em fogo a cada sonho em grão.
Doá-lo inteiro a cada Amor negado…
Havemos de deixá-lo
Nos lares desertos onde haja sonhos mortos
Enterrados nas rendas
Dos bercitos vazios…
No regaço das mães
Que foram mães de meninos dourados.
(Meninos homens que hoje são soldados…)
Nos bairros miseráveis
Das crianças sem pais
E dos pais sem crianças…
Havemos de levá-lo
À fonte, à Guerra, ao Ódio, à Amargura
À aridez das almas sem Ventura
Ao Desespero dos crimes sem Perdão…
Vinde comigo
Nossa Senhora de carinha feia
(apagada e perdida num Presépio de aldeia)
Trazei convosco o Menino enfaixado
De auréola forjada
Com fios de metal…
Os meninos sem pai
Da Rosa da Esquina
Terão o seu Natal!
Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973
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