Periodicidade de publicação de poemas

Caros leitores:
Espero que desfrutem na visita a este espaço literário. Este sítio virtual chama-se “Maria Mãe” e tem como página principal os poemas de Maria Helena Amaro.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Amanhã



Quando vieres fazer-me companhia
Traz um pouco de Sol
À rua estreita onde os destinos param
E conversam Esperanças
Ciosos e alegres
De te verem passar...

Quando  vieres fazer-me companhia
Não me perguntes
Porque na jarra pus flores vermelhas
Gostando das azuis...

Não me perguntes porque são de sal
As pintas brancas dos meus olhos claros
A saltar no meu rosto...

Quando vieres fazer-me companhia
Não prometas ficar...
Nunca a estrela teve amor ao luar...


Maria Helena Amaro

In, «Maria Mãe», 1973

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Anseio


À Incerteza ergo os braços da Esperança
E os olhos da Fé à Ilusão
De te encontrar na Vida...
Mas cá no fundo
Onde não há Sol
Nem asas cor de Azul
Nem risos de cristal
Nem primaveras brancas
Nem olhos de crianças
Nem estrelas de luz
Nem flores de cetim
Cá bem dentro de mim
Eu ouço aquela voz
Duma outra que já fui
Sonhando uma outra ser
Interrogar os Céus
Num Canto de Anseio
A um dia melhor:
- Porque há de tardar tanto o Meu Amor?

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Tédio


Ergo as mãos
Num gesto de abandono
Quando os sinos tangem docemente
Sobre a terra cansada
Ruas desertas...
Ruas estreitas como caminhos negros
Tortuosas, lamacentas, torcidas
Como risos de pó...

Ergo as mãos
Num gesto de abandono
Ao Senhor do Silêncio
Porque me sinto só...

... E só hei de viver a vida toda
Nestas ruas lamacentas, torcidas
Estreitas, sinuosas
Como rios de pó...
E hei de viver só!!!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Presença





Na penumbra dos tempos que se vão
envoltos em farrapos de saudade,
permaneces eterno, sem idade,
na nossa vida, no nosso coração.

Não és só mera recordação,
memória viva de serenidade

és o «recuerdo» de uma felicidade,
feita de paz, de fé e de afeição.


Junto a Deus vês a nossa solidão…
Vives com Deus, estás na Sua Mão,
crês como nós na alma e na Verdade.


Escuta com doçura esta oração,
junto de Deus, em Deus, és nosso irmão.
Até um dia Amor, na Eternidade.



Maria Helena Amaro
Braga, fevereiro, 2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Abandono


Estas tardes paradas...
Estas noites desertas...
Este silêncio ético das coisas...
Estes ecos de risos sem manhãs
Que nunca  foram meus...

Estas ruas desertas...
Estas flores crescidas aqui à minha porta
Sem cor e sem perfume
Como anjos ateus

Fazem sentir-me Morta!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Introspeção


Não sei...
Não sei se a Vida é o tal caminho verde
Por onde caminhamos de mãos postas
Vestidinhos de negro
Como crianças pobres
De rua em rua
A cantar mendigando
Um pedaço de pão...

Passam por nós
Caminheiros antigos
- Andrajos de luar -
E nós paramos de costas para o Sol
A meio caminho
A meditar...
Quantos passam por nós a soluçar!

Não sei
Não sei se vale a pena
Abrir as portas brancas
E dar Pousada aos caminheiros cegos
Que passam a cantar
De guitarra quebrada...
Há tanta rosa caída na estrada!

Não sei...
Não sei porque paramos a meio caminho
Acreditando ainda
No dia de Amanhã que vai nascer...
Sofrimento... alegrias...
Quem há de encher as nossas mãos vazias?

Há pássaros feridos
De asas partidas
Porque quiseram voar mais alto que as estrelas
E temendo as Alturas
Preferiram morrer...

Não sei...
Não sei se a vida é o tal caminho verde...
Se rio, sou criança...
Se choro, sou mulher...
- Quem me vai entender? -

Não sei...
Não sei...
Não sei se a Vida é o tal caminho verde
E tenho um medo imenso...
Só Deus pode Saber!!!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Desengano




Soror Saudade
Vestiu-se de lilás
Pôs rosas nos cabelos
E percorreu
As estradas azuis
Inundadas de Sol…

Soror Saudade
Perdeu-se nos caminhos
Esfarrapou o manto
E mergulhou no pó…
- À noite teve medo…-
Quando acordou
O campo cor de Esperança
Estava transformado num rochedo!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973. 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Noite




Para que vindes falar-me de quimeras
Se não há Primaveras a florir?
O Outono da Alma
É mais triste
Que todos os Outonos que conheço!

Para que vindes falar-me de alvoradas
Se o Sol morreu dentro de mim?
A Certeza do Nada
É o Nada maior que pode haver!

Não venhais falar-me de Quimeras!
Não venhais dizer Canções de Amor!
 Comigo
Neste Nada tão grande como o Tudo
Maior que a minha Esperança
É a certeza
Da minha imensa Dor!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Certeza


Mais triste que a certeza
É a certeza de te perder na vida…
Amargura sem fim
É sentir-te
Aqui dentro de mim
E tentar procurar-te
Cá fora, muito fora,
Onde eu sei
Que nunca passarás…

Se a vida não me der
Mais do que sombra e pó…
Eu hei de ir assim caminho fora
De braços levantados
Em direção da aurora
A murmurar:
Estou só!...
Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Poema da Distância


O Poema da Distância
É feito de Saudade
Duma Saudade que nasce, que cresce
Que nunca há de morrer...

O Poema da Distância
É feito dos meus sonhos
Desses sonhos que são espuma branca
No mar da minha vida...

O Poema da Distância
É feito da tristeza
Dos dias que se finam
Das ilusões que partem
E nunca mais regressam

O Poema da Distância
És tu e eu
E a certeza serena
Angustiosa e grande
De caminharmos sós
De mãos estendidas no escuro
Em ruas paralelas
Que jamais se chegarão a encontrar!  

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Lamento


Tu que ris
Que corres rua fora às gargalhadas
De olhos postos no Céu
E pões nomes de rendas às estrelas
Como se fossem rosas
Dum roseiral humano
Diz ao Sol
Que há tardes sem cor na minha vida
E recantos sem luz na minha alma!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Solidão I


Só eu fiquei
Na berma da estrada
A mendigar Amor aos que passavam
De olhos postos no Sol
De alma suspensa em outras madrugadas...
Só eu fiquei
Nas pedras do Caminho
A murmurar canções aos que passavam
De braços estendidos
De risos moços a rendilhar o ar...
Só eu fiquei
Nos mistérios da Fé
Dessa Fé imensa que não morre
Na frieza das Auroras vazias
A mendigar Amor...
Só eu fiquei
E qual rosa que ninguém colheu
Desfolhada tombei
Disforme encanecida
De braços mortos erguidos às Estrelas
Implorando Vida!!!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Meninos Tontos


Meninos tontos
Estes meninos que sabem soletrar…
- Ãe de Mãe; ão de cão; im de Quim…
(Não é assim. Meu Deus, não é assim…)
Estai com atenção!
- Minha senhora: os lírios do jardim
Estão calcados…
- Que interessa isso agora?  Vá, calados!
Ora, vamos juntar as malazinhas.
- Minha senhora: eu ontem vi a Quinhas…
Meninos tontos
Que lhes hei de fazer?
Deixai que sonhem… que riam… que se zanguem
Com as estrelas que sonham nos espaços…
É limitada a sala
Para conter um dia, assim, de Sol
A seiva nova metida em tantos braços…

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973. 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Outra Carta para o Zé



Chegaste atrasado
E trazias na mão
A papoula vermelha...
Era de riso o teu olhar em flor!
Entraste de mansinho
E foste sorrateiro
Pousá-la toda
Na secretária negra
A papoula vermelha
E um sorriso branco...

Obrigado, Zé!
Não és capaz de nada...
Nem contas acertas
Nem zeros em ditado
Nem latras alinhadas
Nem horas pontuais
Nem leitura perfeita...
Mas trazes sempre
Feito de riso o teu olhar em flor
E na mão
A papoula vermelha!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Helena Amaro», 1973

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Carta ao Zé



Eu dava tudo
Por um sorriso desses que me dás
Quando perdoo as tuas traquinices...
És tal e qual
Um botãozinho em flor
Encharcadinho de orvalho transparente
A pingar, a pingar
Alegria e ternura
Num poema de Amor...

Aqui muito em segredo
As tuas traquinices dão ventura...
Se não fosses tu
Assim, tonto de vida,
A nossa escola seria a casa velha
Onde os meninos aprendiam só
A pintar «Zés» vestidinhos de negro!
Deixa lá, Zé!
O milagre há de vir...
E alguém há de pôr
Escrito nos jornais
Que nos dias de sol
Nunca mais há escola, nunca mais...
E nós, então,
Havemos de ir os dois
Correr aos gritos, mãos dadas, campos fora
Caçar grilos, espantar pardais...

Trocaremos depois...
(Bem sabes que não deixo trocar nada...)
Eu serei  o Zé... Tu serás a Senhora...
E tu darás lições
Escritas no quadro
Com giz feito do Sol
Que trazes nesse olhar tonto da vida...
.........................................................................
Meu Deus! Ia ser mesmo uma escola divertida!


Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Poema do Menino Louco


- Mãe, eu quero o Sol! -    
            E as Aves cantaram…
- Mãe, eu tive um Sonho! -
            E as estrelas sorriram…
- Mãe, tenho um Desgosto! -
E as nuvens tremeram…
- Mãe, eu fiz um Verso! -
E a Mãe
Angustiosamente
Ergueu o filho nos braços
Pouco a pouco
E comentou:

O meu menino é louco!
Quem o vai escutar?

……………………………………………………………………….
O Poema do Menino Louco
Não fala de fome ou de tristeza…
Para que servem as Mensagens de Dor?
Há madrugadas brancas
Nos seus risos sem cor…
E quando canta…
Canta tão bem, Senhor!

Veste-se de Azul a alma do Menino…
- Se Deus o fez Poeta! –

- Ó Mãe, porque são brancas
As velas sobre o mar?
- Sei lá, meu filho!
E o menino louco
Esperneia, sorri
E fica-se a sonhar…

«…Iô…Iô… Iô…
Dizem as lendas
Que as feiticeiras em noites de luar
Dançam à roda… à roda… iô… iô…
Suspensas sobre o mar…
Iô… iô… à roda… iô… iô…
À roda sem parar…
E os pescadores
De velas brancas soltas
Ao vento a tremular,
Cantam com elas
Iô… Iô… Iô…
E põem-se a rezar…
………………………………………………………………..

Ai, o Poema do Menino Louco!
- Ó Mãe, eu fiz um Verso!
- …
- Ó Mãe, eu fiz um Verso!
- Quem o vai escutar?  

                                  
 

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Meditação


Os olhos das crianças
Aqueles olhos puros, transparentes
Lagos imensos onde à noite se banham
As estrelas cadentes…
Os olhos das crianças!
Aqueles olhos celestes, divinais,
Pequenos céus, onde dançam as cores
De auroras boreais…
Aqueles astros, que de astros têm luz
E nos desvendam os mistérios profundos
Dos olhos de Jesus…
Os olhos das crianças!
Aqueles olhos nimbados de inocência,
Onde os adultos encontram a imagem
Da própria consciência…
Os olhos das crianças!
Aqueles olhos, certezas que tu vês,
A procurar dos mistérios da Vida
Impossíveis «porquês»…
Os olhos das crianças!
Aqueles mundos de sonhos variados,
Sem grades, sem portas, sem torpezas,
Sem sombras de pecados…
Os olhos das crianças!
Aqueles olhos que dizem «sim» ou «não»,
Que sorriem, que choram, que nos falam
Ao próprio coração…
Os olhos das crianças!
Belas perguntas, que nunca compreendes,
Pobres respostas, que escutas com gosto,
Mas que jamais entendes…
Os olhos das crianças!
Aqueles olhos que te fitam de frente
Indecisos, curiosos, parados
No teu mundo diferente…
Os olhos das crianças!
Aqueles olhos, onde se esconde o riso,
Fazem lembrar-te em suprema certeza
Que existe o Paraíso…
……………………………………………..
Olhos das crianças…
Os olhos das crianças…
Os meus mundos de Sonho!

Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Comparando


Não há contas erradas
Nem ditados sujos,
Nem redações estranhas,
Nem cantigas paradas
Nem carteiras partidas,
Nem quadros escuros,
Nem castigos,
Nem ralhos,
Nem ditos, nem sermões…

Há um só livro de lindas orações!

Mas na Escola,
Onde há um Cristo suspenso da parede,
Naquela posição
Serena e tensa,
Como quem morre e nunca vai morrer…
Os meninos,
Os meninos  que nunca hão de ser anjos
Usam calças rotinhas,
Caras sujas,
Pés trigueiros, descalços,
E calcam com meiguice
A poeira dourada…
E faltam à Escola,
Para caçar grilos escondidos,
Na berma da estrada…
Na Escola dos meninos anjos,
Os meus meninos anjos
Fazem ditados sujos,
Operações erradas,
Limpam as lousas com a ponta das asas,
E apanham do chão
As cascas das laranjas,
E metem-nas na boca,
Como se fossem pão…

Os meus meninos anjos
Vivem hoje,
Mas não sabem
Se amanhã viverão.



Maria Helena Amaro
In, «Maria Mãe», 1973