Periodicidade de publicação de poemas

Caros leitores:
Espero que desfrutem na visita a este espaço literário. Este sítio virtual chama-se “Maria Mãe” e tem como página principal os poemas de Maria Helena Amaro.

sábado, 29 de agosto de 2015

Celeste


(Fotografia de António Sequeira)


Celeste!
Queria fazer-te uns versos,
que fizessem lembrar
a tua fronte pura,
a grandeza da tua alma
ou  o franco gargalhar da tua boca...
Uns versos que fizessem sorrir
a esfinge tisnada,
trazida das terras de Além-Mar
a minhotas paragens...
Que, ao lê-los,
pudesses ter a dourada ilusão
de escutar no silêncio da noite
uma «morna» dolente,
sob o céu azul de Cabo Verde,
ou o ciciar das folhas distendidas
da palmeira ondulante...
Que fossem para ti,
pedaços de emoções,
e os pudesses guardar, ingenuamente,
num livro de orações...

Queria fazer-te uns versos...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Se destes não gostares,
podes rasgá-los
e lançar no espaço do tempo
o papel aos bocados...
que a mão que os traçou
irá juntá-los
e enviar-tos,
para que os leves no peito vida fora!...

O mar a separá-los...
A saudade a juntá-los...

Mas, no porvir, nós seremos amigas,
como o fomos,
como o somos, agora!

Maria Helena Amaro
1958

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

À Margarida


(Fotografia de António Sequeira)

Teus olhos escuros
negros, cintilantes
fazem-me lembrar
raros diamantes

Alguém disse um dia
com ar de racista
"... Esta Margarida
tem perfil d' artista..."

Ouço melodias
- Tanta sombra vã!
És tu que interpretas
Mozart e Chopin...

Fico tão sozinha!
Vai-se o sonho alado!
Minhas mãos se estendem
no branco teclado...

Teu rosto trigueiro
de bela serrana
lembram negras faces
de certa moirana

Se as mão deslizam
no branco teclado
espalham no ar
muito sonho alado!

Parte minha amiga
mas deixa ficar
um pouco de sonho
que espalhas no ar...

Estrelas te guiem
adeus Margarida
Deus leva o teu
na Barca da Vida!

Maria Helena Amaro
1958

domingo, 23 de agosto de 2015

Entardecer


(Fotografia de António Sequeira)

Este vazio...
Este tudo de não encontrar nada
Este anseio de palmilhar na noite
Esta infinda jornada...
Este olhar perdido além... além...
Muito dentro de mim
Onde não chegam as vozes do alerta...
Este estender as mãos ao pé da  estrada
Este arrastar de pés na caminhada
de horizontes brancos...
Este oceano sem nome, sem luar
Este deserto sem medida, sem sol
Este vazio de dor!
É todo teu Senhor!

Maria Helena Amaro
1958

sábado, 22 de agosto de 2015

O menino ambicioso


(Fotografia de António Sequeira)

O Presépio da igreja
lá da aldeia era um primor
Tinham-no feito os pequenos
da irmã do Sr. Prior...

Viam-se nele os Reis Magos
a caminho de Belém
As coisas que eles levavam
ninguém teve, ninguém tem...

Toda a gentinha ficava
a olhar o Deus-Menino
Deitadinho nas palhinhas
sorridente, pequenino...

O João, um rapazito
seis anos talvez tivesse
De mãos unidas direitas
rezava a Deus este prece:

Ó Meu Menino Jesus
deitadinho nas palhinhas
Dá-me um carrinho de bois
puxado a duas vaquinhas

Dá-me um avião azul
que possa andar pelo ar
e um barco de cortiça
para pôr a navegar

Eu vou pôr no meu sapato
lá em cima na lareira
Menino Jesus escuta:
Também queria uma traineira!

Se as prendas que eu te peço
custarem muito dinheiro
Dá-me só um assobio
e um fato de marinheiro...

E um boneco de corda
da feira de S. Miguel
E um carro de bombeiros
como tem o Manuel

Sabes que não sou maldoso
que gosto de obedecer
Digno bem toda a doutrina
e no livro já sei ler...

E o Menino Jesus
tão loirinho, tão formoso
ficou triste ao escutar
o João ambicioso

E deitou-lhe um rebuçado
enrolado em papel verde
com um bilhete dizendo:
- "Quem tudo quer, tudo perde..."

Maria Helena Amaro
1958

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Manuela


(Fotografia de António Sequeira)

Manuela, no baptismo...
Dolorosa, lá na cela...
Madre, na comunidade...
Periquito, na janela...

Tantos nomes te chamaram!
Tantas coisas te fizeram!
Muito mimo te tiraram!
Muitos ralhetes te deram!

Ainda me lembro... Se lembro!
Quando chegaste pequena
Cor de rato assustado
Alta, magrita, morena...

A olhar para a «caserna»
encostadinha à parede
A pensar na fofa cama
que ficara em Cabo Verde...

Quando chegavam saudades
em dias de mau humor...
gastavas os teus quinhentos,
em pastéis da Benamor...

E se nas estantes punhas
um dedo da tua mão
parecia até que passava
por lá algum furacão!

Quantas coisas tu fazias!
- E ralhavas sem razão...
Mas, Manuela, se sorrias
acalmava a discussão...

E porque alguém te dissera
que tinhas dentes catitos
passavas horas ao espelho
a fazer olhos bonitos...

Mas, eras boa pequena!
... E tinhas bons sentimentos!
A toda a «malta» estendias
a lata dos mantimentos...

Agora que vais partir...
Como eu outrora parti...
Tenho saudades Manuela
Tenho saudades de ti!

Maria Helena Amaro
(Dedicado a uma colega)
1958

domingo, 16 de agosto de 2015

Prece


(Fotografia de António Sequeira)

Senhor que fizeste azul
o céu pertinho do mar
as cumeadas de neve
E a ténue luz do luar
e a triste violeta
que na sombra se disfarça
E as flores da valeta
feitas de pureza e graça
- Faz também azuis azuis, Senhor
os olhos do meu Amor! ...

Senhor que fizeste bela
a borboleta azonjada
e ardente como o fogo
a rosinha perfumada
E humilde como o pó
a linda urze do monte
E transparente de luz
o fiozinho da ponte...
- Faz também puro, Senhor
a alma do meu Amor!

Maria Helena Amaro
1958?

sábado, 15 de agosto de 2015

Menina de dor


(Fotografia de António Sequeira)

Na hora do amor
tu estarás de pé
esperando ansiosa
o sinal da verdade...
Tuas mãos hão de erguer-se lentamente
como orando à tardinha
ao cair das Trindades...
Numa prece de sonho
que só tu compreendes
O céu será azul
As estrelas brilharão com fulgor
E tu
a menina de dor
hás de sentir nos teus olhos profundos
o orvalho da fé
Na hora do amor
no teu jardim os botões carminados
hão de abrir-se a par risonhamente
diante da ventura
Na hora do amor
tu saberás dizer não à loucura
Dizer sim à razão
E serás feliz eternamente
no teu sonho de luz...


Maria Helena Amaro
1958

   

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Albertina


(Fotografia de António Sequeira)

Albertina!
Queria fazer-te uns versos
Ridentes como o sol da primavera
que dissessem um pouco
do teu sorriso louco
Do teu olhar cheiinho de quimera...
Do teu passo miúdo, saltitante.
Sobre róseas estradas...
Da tua boca voltada para o sol
em francas gargalhadas!
Que fossem contigo vida fora
a espalhar saudades
e tal como agora
quem os lesse
visse neles preciosas verdades.

Mas as musas caídas no caminho
morreram ao sol por
E os versos saíram sem beleza
sem sombra de frescor...

O teu curso terminou...
Eis que te vais de lábios a sorrir
a novos horizontes
risonha, confiada
Quantos sonhos tu levas
suspensos nesse olhar
de criança mimada!

Quedo-me toda a meditar
na menina que  és
E sinto uma vontade quase grande
de lançar com meiguice
um brinquedo a teus pés...

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 

Deus te dê a ventura sonhada
nas curvas do caminho...

Maria Helena Amaro 
1958 

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Ela


(Fotografia de António Sequeira)

Traz nos olhos um mundo de ilusão
Nesses olhos cor de céu primaveril
Na boca risos loucos, sonhos mil,
Futilidades, quimeras, ambições...

Traz na cabeça cor de trigo maduro
projetos fantásticos irreais
Traz nas mãos pequenas... Que traz mais
naquele olhar azul, divino, puro?

Olhos bem, muito atentamente
aquele rosto de anjo e de mulher
aquele olhar aéreo e ardente

E murmuro a sós em ovação
quem dera que tivesse dentro dela
um ideal de luz e perfeição...

Maria Helena Amaro
1955

domingo, 2 de agosto de 2015

Visão


(Fotografia de António Sequeira)

Ele surgiu na luz da madrugada
numa manhã de certa primavera...
Ele surgiu, Senhor!
Será uma quimera?

Ele surgiu na luz do meu poente
num por do sol que não tivera aurora...
Ele surgiu, Senhor!
Então porque  demora?

Ele surgiu vestido de brancura
e da noite fez estradas de luz...
Ele surgiu, Senhor
Será a minha cruz?

Ele surgiu mais rico do que eu
e em rosas a vida tornou.
Ele surgiu, Senhor
Então, quem o achou?

Ele surgiu...
Senhor! Ninguém o viu?!

Maria Helena Amaro
22/11/1957 

sábado, 1 de agosto de 2015

Desabafo


(Fotografia de António Sequeira)

Senhor!
Dá-me um caminho, uma estrada
sem luz, sem céu, sem firmamento
para que eu possa caminhar abandonada
sem ter um guia...
Dá-me um sonho mesmo que sinta sede
duma maior ventura...
Dá-me um pranto mesmo que sinta a dor
de não poder chorar...
Dá-me bons olhos mesmo que eu veja a vida
a esvair-se em noite...

Senhor! Dá-me um nada
mesmo que eu peça só
que tu me dês um Tudo!

Maria Helena Amaro
22/11/1958