os meus sapatos rasos, as saias rendilhadas,
os teus olhos gaiatos a tecer desenganos,
as minhas tranças quase despenteadas?
Os teus livros de estudo de cantos retorcidos,
enrolados nas mãos, com certo nervosismo?
Os versos comentados já lidos e relidos,
que tu declamavas cheio de romantismo?
Cantavas os teus sonhos, as tuas paixonetas,
quimeras de rapaz que ninguém conhecia.
Voavam tão juntinho nossas almas poetas
e a vida ia tão longe em coisas de magia…
As minhas companheiras na varanda a gritar,
a rir, a bater palmas, em grande rebuliço;
- Ó menina, então? Ou não querem jantar?
Conversem amanhã…Acabem lá com isso!
Separou-nos a vida. O tempo foi veloz.
Passaram trinta anos! Ou foi há pouco tempo,
que dissemos adeus, que nos tremeu a voz,
que o mundo transformou o nosso encantamento?
Foi ao dar-te um abraço, trinta anos passados,
ao ver os nossos filhos tão jovens como nós,
que lembrei a Avenida, canteiros enfeitados,
que ouvi dentro de mim a cantar uma voz!
Olhando ao espelho meu rosto desbotado,
os meus cabelos curtos, que a vida fez em neve
deixei fugir a alma aos dias do passado…
Revi essa Amizade tão donairosa e leve.»
Maria Helena Amaro, 1987
(Reunião de Curso 1955-57 realizada em Braga, em junho de 1987)
Nota da autora: Perdemos um Amigo. Ganhamos uma saudade.
«Os que amamos não morrem, antes partem antes de nós». Esta frase permanece viva no nosso quotidiano com a separação dos nossos pais, familiares, amigos. Coube desta vez ao Curso da Escola do Magistério de Braga, 1955-1957, perder um companheiro, um colega, um amigo. Todos nos lembramos dele: jovem, hábil no discurso, inteligente, disponível, poeta e prosador.
Sempre que a Reunião do Curso se realizava, lá estava o Fernando Soares, pendurado nas recordações, a relembrar com uma lagrimazinha aflorada nos olhos e, com um poema nas mãos, a saudar todos com a sua habitual mensagem, como se fossemos «o Curso dos cento e vinte irmãos». E éramos. E somos, ainda que alguns já tenham partido e outros a vida os tenha separado de nós.
Tu partiste, Amigo, mas não morreste, porque sempre que nos encontremos na nossa Reunião de Curso, vamos falar de ti, vamos recordar-te como se estivesses junto de nós.
Que Deus ouça no Céu os teus discursos e os teus poemas.
Maria Helena Amaro
Curso 1955-1957)
Braga, 22/11/2011
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