(Fotografia de António Sequeira)
Quando eu morrer...
Não quero gritos, nem lamentos,
nem velas a arder enchendo os aposentos
de dor e fraca luz...
Nem coroas, nem saudades, nem «bouquets»
Nem água benta colocada a meus pés
com ramos de oliveira...
Nem gritos, nem choros, nem perdões
Nem vultos negros murmurando orações
À volta do meu leito...
Nem sedas, nem rendas, nem brocadas,
nem tapetes negros prateados
debaixo do esquife...
Nem desfiles à volta do caixão
Nem beijos de paz e compaixão
no meu rosto gelado...
Nem flores pousadas sobre mim
sejam cravos, rosas ou jasmim
ou ervas de valetas...
Quando eu morrer...
Não quero do mundo um enterro faustoso
Nem música, nem cortejo moroso
com negras carpideiras...
Nem discursos de carácter sério
à minha roda lá no cemitério
com frases estudadas...
Não quero féretro de madeira dourada
forrado de seda prateada
empoçado em éter...
Nem carro fúnebre coberto de zingalhos
cheirando a befiro (cheiro de alhos...)
Guarnecido a veludo...
Nem quero capela ou mausoléu
jazigo de mármore (que sei eu?)
com estátuas de gesso...
Nem correntes de ferro brazonadas
Nem pedras ricas, trabalhadas
com nome e inscrições...
Quando eu morrer...
Quero uma campa rasa, campa nua
Sem enfeites das montras lá da rua
Na terra negra e fria...
de branco vestida quero ir
Daquele branco que é dia a ressurgir
no amanhã da vida...
Quero crianças a cantar ao redor
hinos ao céu, à vida, ao Amor
em coros divinais...
Coros celestes, do Reino de Jesus
vestidas d'alvo ou do roxo da cruz
Junto do meu cadáver...
semeiem violetas lá na campa
Mas não façam romagens (não sou santa)
nem chorem sobre mim...
Violetas quero eu, das dos pinhais
As pobres, as que não são reais
nem possuem beleza...
Não digam que sabem que morri
Para vós, mortais, nunca existi
Apenas sombra fui...
E se as crianças pisarem o meu leito
não quero pragas (isso é feio, mal feito!)
E as crianças são todo o meu amor!
Quando eu morrer...
Asas do céu hão-de ir visitar-me
E coisas de Deus hão-de cantar-me
E eu hei-de falar-lhes...
E contarei às crianças coisas minhas
histórias de princesas e rainhas
de moiras encantadas...
Quando eu morrer...
Quero estar só com a amiga morte
e dar contas a Deus da minha sorte
do bem, do mal que fiz...
Não chorem, não gritem, por favor!
A morte é branca, negra é a nossa dor
mas o céu é azul...
Quando eu morrer...
Erguida ao Céu quero uma cruz bem forte
Triunfo da vida sobre a morte
no meu leito de pó...
Depois...
Quando passar algum ateu
Há-de curvar-se e tirar o chapéu
ao passar junto da criz...
Depois... só...
olhar... parar...
E quase contricto murmurar:
"Aqui morou Jesus!"
Maria Helena Amaro
1957