(Ilustração de Maria Helena Amaro)
Obrigada meu Deus
Por estas horas calmas e serenas
Por esta solidão feita de sol
Por este entardecer todo grandeza
Em que meus olhos são meninos cegos
A percorrer o mar…
A saltitar as ondas…
Mais longe… mais longe… até tocar
A linha azul do horizonte longo…
Obrigada meu Deus
Pelos corpos tostados das crianças
Que brincam sobre as rochas…
(- Tão tostados, Senhor, lembram carvões, jamais incendiados)
Indiferentes às ondas que os beijam
De olhos tão serenos
De risos tão inquietos
Que ninguém será capaz de recordá-los
Doentes ou mirrados…
É bom vê-los brincar
Meninos sãos de olhos transparentes
A chapinhar aos saltos
Nesses regatos deixados à tardinha
Pela maré que vai…
Obrigada meu Deus
Por esta areia escaldante ao meio dia
Como se fosse cinza incandescente
E tão doce
Tão macia e suave
À hora do Sol-pôr…
Deito-me toda aqui junto aos penedos
E fico-me a pensar…
O céu é sempre céu…
A areia sempre areia…
O mar é sempre mar…
- Ai que vontade doida de cantar!
É de risos a voz do mar gigante
E se é de risos
Porque me fico depois a meditar?
Não sei porquê…
Toda eu sou voltada para o mundo…
Onde estão aqueles meus irmãos
Que nunca têm férias?
E são tantos, Meu Deus!
Passam aos centos logo de manhã…
O homem das cautelas… a velhinha da fruta…
O pai… A mãe…
E toda aquela gente lá do bairro
Vergados e ligeiros
Como formigas humanas passeirosas
Trabalham sol a sol…
E na torreira das tardes estivais
As suas sombras são cruzes tombadas
Nas estradas sem fim…
Meu Deus
Quando eu sentir o sol queimar-me o rosto
E estas ondas vestirem-se de espuma
Fazei-me recordar
O sentido grato dumas férias
Que já foram negadas
A outras como eu
Possivelmente
Muito mais merecedoras de repouso
Mas a quem
Os mestres e patrões
Nunca deram um só dia de descanso…
Por elas
Eu quero oferecer minhas férias
O que for de mais sereno e doce
Para que nas mãos todas gretadas
Desses irmãos, operários de sempre
A tesoura, o eixo o maçarico
Se tornem muito leves
E brinquem nas mãos deles
Como as crianças brincam nos rochedos
Indiferentes ao sol e à rotina…
Dai-lhes Senhor a certeza profunda
Da tua mão guiando as suas mãos
Mesmo que o trabalho seja todo fogo
As costas todas dor
Os olhos todos mágoa
E tenham de servir a vida toda
Por algum oiro e nenhuma alegria…
Em troca desse banho de pó
Dá-lhes o teu Amor!
Por eles…
Por esses outros que têm sempre férias
E não sabem vivê-las cristãmente…
Por eles
Que na praia feita arsenal de luz
Não sabem encontrar-vos
No mar, no céu, na onda rendilhada
Nos olhos doces dos meninos sãos
Que brincam nos rochedos…
Obrigado meu Deus
Por estas horas calmas e serenas
Por esta solidão feita de sol
Por este entardecer todo grandeza
Em que meus olhos são meninos cegos
A percorrer o mar
A saltitar nas ondas
Mais longe… mais longe… até tocar
A linha azul do horizonte largo…
Agora
Deixa-me Senhor falar convosco
Nesta quietude feita de coisas belas
E murmurar rezando
Dai-me Senhor
Um coração grande como o mar
Alegre como o Sol
Puro como as estrelas…
Maria Helena Amaro
Agosto de 1964
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