(Ilustração de Maria Helena Amaro)
Tocou o telefone
E a tua voz de menina cigana
Veio pedir-me num jeito muito teu
Uns versos; só uns versos…
Sorri-me toda.
E quando desliguei
Estes meus olhos ansiosos de azul
Lá foram tontos pela janela fora
Saltitar nos telhados…
Fiquei a meditar no teu pedido
E quando despertei
Tinha-os moldados.
Pediste uns versos…
E a ti Maria
Não posso dizer: Não!
Como fantasmas vivos
Vieram-me à lembrança
Aqueles tempos que vivemos no lar…
Os anos passam…
(E nunca passam por nós sem nos levar…)
Mas, tu, Maria
Para mim
Continuas a ser a menina trigueira
Esguia e levantada
De olhos trocistas e risos de luar
Que um dia me foi apresentada
Na sala de jantar…
Ainda és
A Maria (…) das canções
Meias estropiadas
Cantadas à varanda a meia voz
Nas noites estreladas…
A que me prometia oiro em pó
Só para que eu «assassinasse»
Na minha voz sem dote
Um fado de Coimbra…
(Um só, um só!)
(Quando me lembro…)
(E das serenatas do 1º de dezembro)
…………………………………………………………
Pediste-me uns versos…
Quem me dera fazê-los de cristal
E enviar-tos em asas de andorinha!
Feitos de primavera
Gritariam ao sol, ao firmamento
Que tu
Serás eternamente
A menina de pele aciganada
D’ alma sensível, errante como o vento!
Mas não posso fazê-los
Nem sonhá-los sequer…
Envio-te estes
Rabiscados à toa
Num receio da escola
Ouvindo as pequenitas
Cantar a tabuada…
A ti Maria
Não posso dizer: Não!
Mas não sei dizer nada…
Agora
Que és tal como eu
Senhora professora!
Só Deus pode dizer
Por que embarcadas em navios diferentes
Viemos aportar
Ao mesmo ancoradoiro…
Mas…
Se Deus assim o quis
Que seja ele que te ajude a colher
Dos olhos das crianças todo o oiro.
Maria Helena Amaro
(Dedicado a uma amiga)
1962
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