(Ilustração de Maria Helena Amaro)
Ali no cimo da íngreme ladeira,
ficava a casa de paredes cercada,
dava-lhe acesso o portão de madeira
de aldabra negra em ferro, bem forjada.
Abram a porta! - Gritava a avó chamando -
Abram a porta que o pastor quer entrar!
As doces pombas espantavam-se em bando
iam serenas no telhado poisar!
O pátio enorme cheirava a rosmaninho,
a feno verde, a cidra, a hortelã,
os pardalitos pipiavam no ninho
entontecidos com o sol da manhã.
Casa de agricultor! Tanto trabalho
Tanta lida, tanta vida, tanto ardor!
No tempo da azeitona, ceifa ou malho
trabalhavam até o sol se pôr.
Um grilo tonto na lareira escondido,
uma cigarra perdida no pomar,
a tontinegra com o seu alarido
compunham árias em noites de luar.
Vinho o cheiro de mosto do lagar,
vinham sacos de farinha do moinho,
vinha azeite da talha a gotejar,
vinha fruta, hortaliça, pão e vinho.
Primeiro foi a avó que foi embora,
cansada de trabalho e de sofrer.
Em cada mês, em casa dia, em cada hora
doce lugar ficou por preencher.
E houve um dia em que todos partiram,
malas na mão e na garganta um nó.
Morreram uns, outros logo fugiram
do trabalho da terra feita pó.
Fechou-se a casa, o avô ficou só
alquebrado, queixoso, sem ninguém...
e começou a andar... metia dó...
pela casa dos filhos: um vai/vem...
Envelheceu a casa... em todo o lado
cresciam ervas... tudo era solidão...
Subiam as silvas até ao telhado
e cogumelos enfeitavam o chão...
Mas um dia o milagre aconteceu,
alguém a viu, alguém a desejou
e a casa do Pombal que se perdeu
moradia alegre se tornou.
Casa dos meus avós, das minhas tias,
da minha infância feliz e descuidada.
Passo por ti e só sinto alegrias.
Ao ver tuas paredes restauradas.
Sejam felizes os que lá vivem nela,
os que enfeitaram de flores essa calçada...
fizeram dela uma pousada
e colocaram vasos na janela
E ao subir a íngrime calçada
possa eu ver essa casa florida
que encheu de amor a minha madrugada
pois foi o ninho duma família querida.
Maria Helena Amaro
Inédito, novembro de 2009
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