Periodicidade de publicação de poemas

Caros leitores:
Espero que desfrutem na visita a este espaço literário. Este sítio virtual chama-se “Maria Mãe” e tem como página principal os poemas de Maria Helena Amaro.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Orfandade


(Ilustração de Maria Helena Amaro)


Lá fora o vendaval ruge feroz
sibila o vento por entre o arvoredo
"Mãezinha, estou só! E tenho medo..."
Dum corpo franzino desprende-se esta voz!...

"Eu tenho fome e não vejo ninguém
a quem peça um bocado de pão
Eu tenho frio e nesta solidão
há sombras negras, ó minha querida mãe."

A chuva cai lá fora lentamente
o vento arrasta na fuga infinda
o sofrimento, a miséria, indiferente...

Ó pobre órfão que lá no alto céu
a tua mãe possa aquecer-te ainda
as tuas mãos com um carinho seu...

Maria Helena Amaro
27/06/1954

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Flor de Sombra


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

A minha voz já está rouca cansada
de cantar ao mundo o meu tormento...
Oh! Se pudesse viver, só, descansada
sem o sonho, a dor, o sofrimento!...

Deus não quis que eu tivesse luz
como estrelas em noite de luar...
Oh! Pobrezinha! A mágoa me conduz
até à morte onde vou repousar!...

Dizem para aí que eu nasci poeta
mas é mentira que a verdade sei-a eu
e com ela vou sendo sonho louco...

Eu sou isto: uma escura violeta
que escondida vai implorando ao céu
d'algum carinho e do Amor um pouco!


Maria Helena Amaro
25/10/1954 

domingo, 25 de janeiro de 2015

Fantasmas


(Fotografia de António Sequeira)

Erguem-se os fantasmas lá na rua
com suas vestes brancas a adejar...
Deslizam mudas à ténue luz da lua
como chamas de vela a tremular...


Maria Helena Amaro
1956

sábado, 24 de janeiro de 2015

Contradição



(Quadro de Maria Helena Amaro)


Ninguém me ama; eu não amo ninguém
para mim o nada é só recordação
não tenho alma, não tenho coração
perdoo o mal e não esqueço o bem...

Vivo indiferente eu não conheço a dor,
a alegria, o sonho e a ventura...
Eu vivo só, nas trevas, na escura...
E o amor? Aonde está o Amor?...

O amor existe certamente
só dele existe uma ilusão
um sonho louco ou uma luz ardente...

Mas tu existes, Helena, por ventura...
Que é do Amor? A vida é indiferente
para mim que o busco com loucura!

Maria Helena Amaro
16/10/1954  


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Recordando



(Quadro a óleo de Maria Helena Amaro)

Naquela noite! Vê lá, vê se te lembras
no céu azul andavam a brilhar
a lua cheia... as estrelas... o luar
daquela noite era de tule e rendas...

Vê se te lembras! Numa dança sem fim
andava o mundo cantando com ardor
Eu tu, a lua, a noite e o amor,
aquele amor que era só para mim!

Para mim nada mais existia
que o teu olhar escuro feiticeiro
que a alegre música daquela romaria

Hoje para mim é sombra negra e fria
aquela noite, o teu rosto trigueiro
a tua boca que à minha sorria...


Maria Helena Amaro
13/12/1954  

domingo, 18 de janeiro de 2015

Ao meu ideal


(Quadro a óleo de Maria Helena Amaro)

Tu passas e não vês; tu olhas e não sentes;
Eu para ti nem sombra chego a ser,
Para ti, não existo, podes crer...
Leio também nos teus olhos ardentes!

Andas ceguinho a procurar alguém
alguém que sabes sonhar um ideal...
Ver não me vês... Se eu estou tão banal,
tão mesquinha, tão pequena, tão ninguém!

Eu queria colocar no teu olhar
a luz eterna dos meus infantis olhos
e nunca mais, nunca mais poder ir...

Em tuas busca com os pés a sangrar
achando em teus passos só abrolhos
e recebê-los com olhos a sorrir...

Maria Helena Amaro
16/10/1954


sábado, 17 de janeiro de 2015

Vem


(Quadro a óleo de Maria Helena Amaro)


Vem, meu Amor! Não posso receber
mais este dia sem que teu puro olhar
veja meu rosto... Quero ouvir-te falar
Ver tua imagem... Vem, que me vou perder!

Vem, meu Amor! Eu não quero morrer
sem ternamente te poder confessar
a minha longa espera, o meu penar,
essa esperança que me ajuda a viver!

Vem, meu Amor! Que nunca mais
outra razão me não seja ventura
possa afastar-te de mim de qualquer sorte!

Vem, meu Amor! Esta dor é demais,
eu já não vivo, senão numa amargura...
Vem, meu Amor! Antes que venha a morte!


Maria Helena Amaro
12/10/1954 





quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Desespero


(Quadro a óleo de Maria Helena Amaro)


Senhor! Se vedes que minhas chagas
não tem cura, não merecem perdão,
Dai-me a Luz, a Paz do coração
Dai-me coragem nas horas amargas! ...

Ando perdida por entre o turbilhão
das tristes sombras de dor, do sofrimento...
Senhor! Dai-me Luz no tormento
Daí-me na Fé, a Luz da Razão!

A Minha alma vai-se apagando aos poucos
envolvida em cruel desespero
na sombra negra de desalentos loucos

Oh! Ser feliz... Ser feliz como os outros
é o que ainda ambiciono e quero
É o que peço entre meus gritos roucos!

Maria Helena Amaro
17/10/1954



domingo, 11 de janeiro de 2015

A ti


(Quadro a óleo de Maria Helena Amaro)

Deixa que eu veja o verde dos teus olhos
e mergulhe neles o meu azul olhar...
Que importa que nos teus eu veja abrolhos
se para mim são raios de luar?

Eu vejo neles um rio, um longo mar
sempre suave, calmo, sempre puro...
Deixa-me olhá-los bem e mergulhar
nessa água verde, esperança dum futuro!

Todas as vezes que olho para ti
não vejo nada mais, tu bem podes crer
do que os teus olhos tão verdes como o mar!

E os meus olhos azuis (eu já os vi...)
sorrirem brilhantes como chamas a arder
querendo nos teus olhos verdes se apagar...

Maria Helena Amaro
10/12/1954

sábado, 10 de janeiro de 2015

O Pôr do Sol no Mar


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Um dia fui ao pôr do sol ao mar
chorar as penas do meu peito dorido...
Eu quis contá-las, de manso, sem ruído
mas ele esquivo não me quis escutar...
Então sentei-me na areia macia
olhando o mar, azul, esverdeado
e chorei... e sofri...
Ao mar então pedi
um pouco de alegria!
Ele alegre, estouvado,
quis falar-me de amor
num tom quase encantado...
As águas verdes, claras, cor do prado
em mil rendas se quiseram tornar
para tecer um vestido de noivado
porque Sua Alteza, o Rei, ia casar!
Não aceitei, não quis
porque era amor sem lei
Não faças ninguém feliz...
Então
ele humilhado estendido no chão
ventou, sorriu e disse,
com tristeza e meiguice:
"Quem me fizera homem!"
E ao mar respondi:
"Eu gosto assim de ti,
azul, verde, cinzento
tecido de brancura
na paz ou no tormento 
na luz na noite escura!"
E o mar poeta, sonhador
cantou-me um hino todo feito de Amor!
A noite tinha vindo luarenta
era a praia uma estrada cinzenta
debaixo de cristais...
Então eu disse adeus ao mar
e de novo senti no seu cantar
todas as minhas penas...
E ele meigo, um ciciar sem nome
cantou só para mim
como quem dá amor
em troca de renúncia:
"Hei de trazer nas minhas falsas ondas
um banho alegre de amorosas pombas
e um marujo alegre, sedutor...
E tu virás a visitar-me um dia
e em mim todo encontrarás amor.
Amor humano, ardente, feiticeiro
puro e transparente
tal como tu sonhaste
em tempos de menina...
E nele tu hás de encontrar a paz
e nos olhos do marujo mensageiro
verdes como o meu seio
tu hás de espelhar-te
como a alma se espelha
no meu manto de rendas
em noites de luar..."
Adeus, ó mar!


Maria Helena Amaro
16/03/1955

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Primavera


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Canta dentro de mim a primavera
numa canção com algo de ventura
O céu azul... dos campos a verdura...
Uma grande ilusão... uma quimera...

A dor imensa que outros dilacera
vem até mim em rostos de amargura...
Vinde comigo! Deixai a desventura!
É bom viver! Chegou a primavera!

Canta dentro de mim a terra inteira
e os meus olhos de negra carpideira
parecem olhos dum anjo, dum vidente...

Canta dentro de mim a natureza!
Eu quero beber a tragos a beleza 
que a vida me oferece ternamente!


Maria Helena Amaro
13/03/ 1955


domingo, 4 de janeiro de 2015

A minha cruz


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Quero encontrar na vida um ideal
e seguir uma estrada...
Há pedras no caminho...
Espinhos na calçada...
Como custa, meu Deus,
subir, chegar aos Céus,
em longa caminhada!!!...
Hei-de beijar o pó desse caminho
procelas de amargura
manchas de sangue de dor e de tortura
e sorrir com carinho!...
Hei-de beijar ainda dos escombros
as trevas, a dor, a maldição
e erguer do pó que cobre o chão
as pobres almas sem amargura e amor!
Hei-de lavar as chagas do teu peito
com minhas lágrimas puras
e depois de dores, de amarguras
hei-de rasgar este meu coração...
E quando exangue, desfeito em penas vivas
hei-de tirar a cruz de pinho de teus braços
e levá-la...
Senhor!...

Maria Helena Amaro
Braga, 20/03/1955

sábado, 3 de janeiro de 2015

Hino à morte


(Ilustração de Maria Helena Amaro)

Cava coveiro um buraco no fundo
onde meu corpo se enterre à vontade
lugar p´ra mim, para a minha vaidade
e para o reino que deixo neste mundo!

Lugar para o sonho que também morreu
na mesma hora que alguém me matou...
Cava coveiro o tempo já passou
e a amiga morte ergueu-se e apareceu...

Cava coveiro! Uma enxada escura
que vai cantando na terra negra e fria
Toc! e mais toc... com tanta ansiedade

Pede para mim um pouco de ternura
aos pobres vermes que buscam à porfia
o alimento na minha mocidade!

Maria Helena Amaro
Braga, 11/05/1955